Laudas Críticas

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PEC do diploma e desonestidade científica

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Publicado na Folha de S. Paulo, 4 de novembro, pág. A3 (Tendências/Debates)

O que têm em comum o livro O Ambientalista Cético, do estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg, e o relatório da proposta de emenda constitucional (PEC) da Câmara dos Deputados que visa restaurar a exigência de formação superior específica em jornalismo para essa profissão no Brasil? Resposta: a desonestidade científica.

Para refutar a tese do aquecimento global, Lomborg questionou-a com estudos de pesquisadores. Mas, em vez de apresentá-la com fontes de igual status, recorreu a dados da mídia. Em 2003, o Comitê Dinamarquês sobre Desonestidade Científica enquadrou essa unilateralidade em seus “critérios objetivos de desonestidade científica”.

Esse mesmo tipo de unilateralidade está no relatório aprovado em julho na comissão especial da Câmara sobre a PEC do diploma.

No texto do relator, deputado Hugo Leal (PSC-RJ), figuram como favoráveis à obrigatoriedade professores de jornalismo, advogados e sindicalistas; como contrários, somente representantes empresariais da imprensa.

Em outras palavras, o relatório contempla posições divergentes, mas dá ao saber acadêmico o papel de fiel da balança em favor da obrigatoriedade, algo como uma razão científica contra os patrões.

Porém, isso não passa de uma distorção enganadora.

Na verdade, nesse documento, as sínteses dos depoimentos de professores omitem o ponto de vista acadêmico contrário à obrigatoriedade, que não é minoritário fora do país. Assim, o texto desconsidera obras de pesquisadores de jornalismo respeitados internacionalmente, como Daniel Cornu, diretor do Centro Franco-Suíço de Formação de Jornalistas, em Genebra.

É o caso também de Claude-Jean Bertrand, da Universidade de Paris 2, além de Bill Kovach, da Universidade do Missouri, e Tom Rosenstiel, diretor do Programa para Excelência do Jornalismo, em Washington.

Sem falar em brasileiros, como Bernardo Kucinski, da USP, e Ivana Bentes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em contraposição a longos trechos com exposições de advogados pró-diploma, o relatório apenas menciona, sem apresentar, pareceres contrários de Sidney Sanches e Célio Borja, ex-ministros do STF. E deixa de considerar outros juristas renomados, não só brasileiros, como Geraldo Ataliba e Eros Grau, mas também estrangeiros, como Jean Rivero e Hughes Moutouh.

Embora um relatório parlamentar não seja um documento científico, exige-se um mínimo de cientificidade de uma proposta legislativa.

Ainda mais por pretender restaurar uma exigência já condenada pelo STF e que só vigora em poucos países, entre eles África do Sul, Arábia Saudita, Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Croácia, Equador, Honduras, Indonésia, Síria, Tunísia, Turquia e Ucrânia.

Não está em pauta aqui minha posição pessoal contra a obrigatoriedade do diploma, que desvinculo da função que exerço. As objeções deste artigo podem ser feitas até mesmo por partidários não casuístas dessa exigência, fiéis ao preceito jornalístico, científico e ético de não obstar o confronto de posições divergentes.

Além da PEC da Câmara dos Deputados, também já seguiu para votação em plenário outra, no Senado, de igual teor, apresentada com um relatório mais limitado ainda nos aspectos ora destacados.

Com o devido respeito aos parlamentares que atuaram nas duas propostas, aos quais seria temerário atribuir desonestidade, elas não estão em condições de serem votadas, muito menos de contestar uma decisão do STF.

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MAURÍCIO TUFFANI, 53, é jornalista, editor do blog Laudas Críticas e assessor de comunicação e imprensa da Unesp.

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quinta-feira, 04/11/2010 at 7:21

O futuro do mestrado e a formação de jornalistas

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A continuidade dos cursos de mestrado em seus atuais padrões no Brasil foi questionada publicamente pelo epidemiologista Naomar Monteiro de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal da Bahia, em seu artigo “O fim do mestrado…”, na edição de domingo, dia 23/11, na Folha. A discussão por ele proposta já ocorre há algum tempo na comunidade acadêmica. Ele a destaca agora para também ressaltar iniciativas adotadas em sua instituição.

No que diz respeito ao jornalismo, essa discussão é posta na mídia no momento em que o Ministério da Educação se propõe a avaliar a possibilidade de criar cursos de especialização ou de pós-graduação para que formados em outras áreas também possam exercer essa profissão (“Haddad defende discussão de novas diretrizes para cursos de jornalismo”, Agência Brasil, 19/09/2008).

O artigo do reitor da UFBA tem alguns pressupostos que parecem ser equivocados. Um deles é o de que o mestrado, definido como habilitação à docência em nível superior, “só existe no Brasil e, em menor escala, em alguns países latino-americanos”. Isso não confere, por exemplo, com as orientações da pós-graduação da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Seja como for, no Brasil já existe há algum tempo a tendência, ainda em nível restrito, de aceitar o acesso direto da graduação para o doutorado daqueles que se mostram em condições de fazê-lo sem passar pelo mestrado. Nunca houve impedimento legal para isso, e esse acesso direto é consagrado em muitos países.

Em síntese, Almeida Filho propõe para o Brasil aquilo que, segundo ele, já ocorre em sua instituição: a “expansão dos mestrados profissionais (devidamente redesenhados) e equivalência entre essa modalidade e cursos de especialização”. Para isso, diz ele, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) deve rever todo o marco regulatório do mestrado no Brasil e “elaborar diretrizes específicas para os mestrados profissionais”. Essa modalidade enfrenta há algum tempo resistência de parte da comunidade acadêmica, mas é vista também de forma positiva, como mostraram alguns artigos da Revista Brasileira da Pós-Graduação em sua edição de julho de 2005 (v. 2, n. 4).

Lato ou stricto sensu?

Independentemente de a proposta do reitor baiano corresponder ou não a uma tendência majoritária ou crescente do ensino superior brasileiro, a discussão que ele traz para fora da academia possui elementos relevantes para a temática a ser discutida pelo MEC. A comissão com essa incumbência já tem seu presidente definido: José Marques de Melo, fundador da Escola de Comunicações e Artes da USP, onde lecionou de 1967 a 1993 e foi diretor, e desde 1993 professor de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo. O comunicado do MEC sobre a aceitação de Melo para o cargo se referiu apenas a “estabelecer as novas normas e diretrizes curriculares dos cursos de jornalismo”. No entanto, declarações anteriores do ministro Fernando Haddad foram claras em relação a avaliar também alternativas de formação profissional por meio de pós-graduação para diplomados em outras áreas.

Especialização e mestrado são modalidades muito distintas de pós-graduação. A primeira é feita em cursos lato sensu, que têm muito mais a ver com a formação continuada. Eles não visam à formação de pesquisadores, embora alguns deles cheguem a oferecer condições para isso. São concebidos sob a perspectiva de um graduado poder se aperfeiçoar, especializar ou atualizar por meio de sucessivos cursos ao longo de sua vida profissional. Já o mestrado, inclusive o profissionalizante, se dá por meio de programas stricto sensu, que correspondem, em princípio, a uma etapa de formação para a pesquisa. Como explicou Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia da USP e diretor de Avaliação da Capes,

(…) todo curso de atualização ou de informação, por melhor que seja, deve estar fora do stricto sensu. Essa é a fronteira entre o lato e o stricto sensu: no mestrado profissional espera-se que a pessoa, mesmo não pretendendo depois ser um pesquisador, incorpore certos valores e certas práticas com a pesquisa que façam dela, em definitivo, um usuário privilegiado da pesquisa.
(“Ainda sobre o mestrado profissional”, Revista Brasileira da Pós-Graduação, Brasília, v. 3, n. 6, p. 313-315, dez. 2006).

Em vista disso, parece ser um equívoco submeter graduados em outras especialidades a uma formação em jornalismo por meio de mestrado, seja ele profissionalizante ou não. É desejável que um jornalista seja “usuário privilegiado da pesquisa”, mas, nesse caso, das áreas em que ele pretende atuar, como economia, política, saúde, ciência, educação, informática e outras, e não em comunicação. Em outras palavras, essa formação complementar em nível de pós-graduação teria de ser lato sensu.

Planos do MEC

Não está nos propósitos de Haddad a alternativa de formação por meio de mestrados profissionalizantes, segundo Edson Luiz Spenthof, professor da Universidade Federal de Goiás, ex-diretor da Fenaj e atual presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ). Em seu relato sobre a audiência em 23/10/2008 de representantes da entidade, da Fenaj e da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) no MEC, o professor afirmou que Haddad não pretende também tratar do assunto no plano do lato sensu.

Por exclusão, restaria apenas o mestrado tradicional como alternativa de pós-graduação. No entanto, o ministro teria afirmado também, nessa audiência, a possibilidade de uma “dupla diplomação”, e o presidente do FNPJ ressaltou três vezes em seu relato que a posição de Haddad sobre esse assunto “não ficou clara”.

O ministro, felizmente, não se mostrou norteado nesse tema pela questão da obrigatoriedade da formação específica de jornalistas, conforme estabeleceu o Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969. Cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre o Recurso Extraordinário 511961, do Ministério Público Federal de São Paulo, que ensejou Ação Cautelar 1.406, da Procuradoria Geral da República, para a qual foi concedida liminar do STF que suspendeu a exigência do diploma em 16/12/2006.

Riscos e prevenções

Uma das maiores ameaças aos trabalhos dessa comissão do MEC é a persistente e hegemônica tendência entre acadêmicos brasileiros de jornalismo em desconsiderar estudos e pesquisas estrangeiros sobre a formação profissional. Outro perigo é o do corporativismo dos professores de jornalismo, que já sentem o risco de fechamento de muitas faculdades devido à possibilidade de ser abolida pelo STF a obrigatoriedade do diploma específico que serviu de combustível para a proliferação desenfreada de cursos no país.

Em relação a essas duas ameaças, o ministro da Educação já parece estar vacinado. Na audiência aos representantes do FNPJ, Fenaj e SBPjor, Haddad pediu aos presentes sugestões de nomes, “mas que não devem ser indicações institucionais, pois isso não teria dado certo em outras ocasiões”, relatou Spenthof. “Também não se comprometeu em aceitar, a priori, as nossas indicações. Ele disse que espera que as pessoas indicadas tenham uma sólida experiência tanto de redação quanto da docência e uma igualmente sólida formação teórica”, complementou o presidente do FNPJ.

Um terceiro fator de risco é a excessiva ideologização de estudos e pesquisas no Brasil no campo do jornalismo e seus reflexos no ensino de graduação e de pós-graduação, como apontou Hélio Schuch, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, em seu artigo “Adequação do ensino na formação de jornalistas” (Sala de Prensa, v. 2, n. 2, outubro de 2002). Nesse ponto, a escolha de um estudioso com ampla envergadura intelectual que é José Marques de Melo para presidir a comissão do MEC se mostra um bom lance inicial do ministro.

Retrocesso e maniqueísmo

Enquanto isso, alguém precisa avisar ao colega de Haddad no Ministério do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, que ainda há tempo para poupar sua pasta de perpetrar um papelão. Em vez de aguardar não só pelas conclusões da comissão do MEC sobre a alternativa de formação de jornalistas, mas também pela decisão do STF sobre a exigência do diploma, um grupo que jamais deveria ter sido montado segue em plena atividade. Trata-se do grupo de estudos “para propor alterações na legislação em vigor a fim de viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas”, estabelecida pela Portaria MTE nº 342, de 23/07/2008.

Formado inicialmente por representantes de categorias profissionais, de empresas jornalísticas e do próprio ministério, o grupo já teve a debandada dos membros empresariais por causa do dirigismo dos trabalhos para a obrigatoriedade do diploma. Além disso, como este blog já afirmou na postagem “Dois anos após o CFJ, outra péssima idéia do governo” (08/08/2008),

Se há alguma coisa que o tema da regulamentação da profissão de jornalista no Brasil já tem de sobra, e não precisa de mais nenhum reforço, é o inevitável estreitamento da razão decorrente do enfoque reducionista à relação capital-trabalho, que nada mais faz senão limitar a interpretação de cada um dos fenômenos a um enquadramento binário e maniqueísta.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 25/11/2008 at 7:25

Errei ao citar Jakobskind como contrário à exigência do diploma

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Cometi um erro neste blog em 13/08/2008 ao relacionar o trecho de um artigo do jornalista Mário Augusto Jakobskind entre as manifestações contrárias à exigência do diploma de jornalismo para o exercício dessa profissão, que constam na página “Dossiê diploma de jornalismo e CFJ”. Só percebi essa falha ontem (sábado, 22/11) ao receber  e-mail dele com solicitação de reparo. Desse modo, foi removido imediatamente o citado trecho, transcrito a seguir exatamente da forma como estava naquela página.

Mais uma vez misturam-se conceitos, isto é, liberdade de empresa com liberdade de imprensa, diploma e democratização da informação. Por que o exercício da profissão de jornalista sem diploma ampliaria a liberdade de imprensa? Eis uma tese que não se sustenta. Ou por que o diploma por si só garantiria a democratização dos meios de comunicação? Nem uma coisa, nem outra. A democratização dos veículos de comunicação só pode ser garantida pela sociedade, que deve se mobilizar para também neutralizar a tendência da manipulação da informação, tão em voga na atualidade. (…) Não se pode deixar de mencionar, isto sim, de suma importância, que a desregulamentação da profissão de jornalista faz parte do contexto dos que defendem esta mesma desregulamentação em outras áreas profissionais.
MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND (jornalista e escritor, atuou em diversos veículos como O Pasquim, Versus, Folha de S. Paulo, Tribuna da Imprensa e outros) em Sobre democratização da mídia e o diploma, comunicação apresentada ao I Congresso de Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro, em Niterói, 8 e 9 de agosto de 2008, publicada no Observatório da Imprensa.

Erros devem ser reconhecidos o mais depressa possível e com o devido destaque. Para quem se pauta pelo ethos da informação, isso não tem nada a ver com “humildade” ou qualquer outra bobagem moralista do tipo. Apesar de essa falha ter ocorrido em uma página interna do blog, e não em uma postagem como esta, acho mas correto registrá-la deste modo além de fazer o reparo, pois ele foi uma mera remoção, e isso não serve como reconhecimento. Portanto, admito o erro, e isso bastaria, em princípio.

Equívoco ou má-fé?

No entanto, em vista de tantas manipulações mal-intencionadas que têm ocorrido dos dois lados da polêmica em torno da obrigatoriedade do diploma (a esse respeito, ver “Debate na USP isola falácias sobre a exigência do diploma”, de 11/11/2008), o reconhecimento desse erro exige explicações. Eu o cometi por distração ao ler a segunda sentença desse trecho. Onde está escrito “sem diploma” eu entendi “com diploma”, distorcendo completamente minha compreensão do sentido da frase. Reforçaram esse equívoco o argumento seguinte de Jakobskind nesse mesmo parágrafo — que é contrário a uma das principais teses de muitos defensores da obrigatoriedade — e outros que destaco mais adiante.

Em uma segunda mensagem, enviada pouco depois da primeira, quando a remoção acima citada já havia sido providenciada, Jakobskind afirmou que eu teria descontextualizado suas palavras. Mas isso não aconteceu, pois além de elas terem sido transcritas devidamente acompanhadas do link para o texto de onde foram extraídas, também foi acrescentada outra afirmação dele, sobre o contexto desfavorável à regulamentação profissional. A transcrição neste blog foi correta, apesar de minha interpretação equivocada. E o reparo, que teria sido feito por minha própria conta se eu mesmo o tivesse percebido, só realizado agora porque não houve nenhuma reclamação anterior. Segue a primeira mensagem enviada ontem por esse jornalista, que também é correspondente do semanário uruguaio Brecha e membro do conselho editorial do Brasil de Fato.

No seu blog foi dito que Mário Augusto Jakobskind ´e contra a exigência do diploma. Sou a favor da exigência do diploma, como consta do  que apresentei no   I Congresso de Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro, em Niterói, 8 e 9 de agosto de 2008.
Peço, então, que faça a correção devida, apesar de que o erro tenha ocorrido há uns três meses. Como só tomei conhecimento agora, só agora estou mandando esta mensagem corretora.
mario augusto jakobskind

Trechos que reforçaram o equívoco

Sem nenhum interesse em justificar o erro, essa má interpretação foi reforçada por outros trechos do mesmo artigo de Jakobskind nos quais ele equilibradamente se contrapõe a argumentos inválidos usados com freqüência em defesa da obrigatoriedade do diploma. Destaco essas passagens a seguir.

Os grandes proprietários dos veículos de comunicação argumentam falsamente que a exigência contraria a liberdade de imprensa. Muitos que se contrapõem a esta tese apresentam justificativas ingênuas segundo as quais o diploma é o que garante a ética e a liberdade de imprensa.

É necessário deixar claro também que a manipulação da informação acontece nas mais variadas mídias e pode ser feita por diplomados e não-diplomados. Trata-se de uma batalha ideológica que neste caso independe da formação profissional. Se assim não fosse, bastaria só haver jornalista com diploma para não acontecer a manipulação da informação e a ampliação do esquema do pensamento único. Há redações em que só trabalham jornalistas diplomados e nem por isso não existe a manipulação da informação ou deixa de prevalecer o esquema do pensamento único. O problema em questão é muito mais complexo e seria simplório reduzi-lo ao ter ou não ter diploma.

Desse modo, a partir do erro original acima apontado e com o reforço desses outros dois trechos, acabei por me deixar induzir a uma leitura equivocada do restante do artigo de Jakobskind. O texto dele acabou parecendo a mim uma crítica a teses patronais contrárias à regulamentação profissional, mas, e esse é o erro, independentemente da obrigatoriedade do diploma. Isso faria sentido, pois em muitos países existe a primeira sem a segunda. Além disso, chamo a atenção para os negritos que faço na transcrição, a seguir, do penúltimo parágrafo do mesmo artigo.

Se o STF decidir pelo fim do diploma de jornalista, o caminho estaria aberto; ou seja, quebrando-se a exigência do diploma, como querem os proprietários dos veículos de comunicação e também os defensores do modelo econômico neoliberal, o exercício profissional em quase todas as áreas, salvo talvez a engenharia e medicina, poderá ser feito por qualquer um. O professor formado de hoje perderá seu espaço, não significando que o ensino vá melhorar, como alegam também falsamente os defensores da desregulamentação profissional na área de ensino. Seria mais um retrocesso profissional e se eliminaria uma conquista de muitos anos de luta dos professores, como a dos jornalistas, ou seja, a formação universitária.

Nesse mesmo parágrafo, em que outros dois verbos estão no futuro do presente no sentido de certezas (“poderá” e “perderá”), pareceu-me que a colocação de outros três (“estaria”, “seria” e “perderia”) no futuro do pretérito — ou modo condicional — visava relativizar argumentações em prol da obrigatoriedade, na mesma linha argumentativa dos outros três trechos acima destacados. Na minha opinião, Jakobskind deveria ter usado somente o futuro do presente. Mas esse detalhe não atenua em nada meu erro, e o menciono apenas para ressaltar que não houve má-fé.

Seja como for, errei feio e, por isso, peço desculpas a Mário Augusto Jakobskind e aos leitores deste blog. E cumprimento o jornalista por esse seu artigo, cujo link mantenho naquela mesma página, mas em outra parte, que é a relação dos melhores textos a respeito dessa polêmica.

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Written by Mauricio Tuffani

domingo, 23/11/2008 at 11:14

Debate sobre jornalismo e diploma continua firme

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Apesar de ter ficado para trás neste blog, uma postagem continua rendendo bons comentários, principalmente de estudantes de jornalismo. Trata-se de “Só jornalistas produzem informação?”, de 23/10/2008, que escrevi em meio a uma interessante discussão com o jornalista e professor Rogério Christofoletti, editor do blog Monitorando. Estou à disposição de todos para a troca de idéias, mas recomendo aos interessados que leiam os comentários anteriores. O mais produtivo seria, porém, aproveitar o avanço que tivemos com o evento da semana passada na ECA: “Debate na USP isola falácias sobre exigência do diploma” (11/11/2008). Que tal discutirmos à luz dos pontos levantados, que estão devidamente organizados?

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Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 14/11/2008 at 8:42

Debate na USP isola falácias sobre exigência do diploma

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O debate “Obrigatoriedade do diploma”, realizado na noite de 6 de novembro na Escola de Comunicações e Artes da USP, foi um grande avanço nessa polêmica que se intensificou no Brasil a partir da Ação Civil Pública de outubro de 2001, proposta pelo Ministério Público Federal de São Paulo. Parte da programação da Semana de Jornalismo 2008 da ECA-USP e organizado por estudantes dessa Escola, o encontro, que aconteceu no Auditório Freitas Nobre, do Departamento de Jornalismo e Editoração, proporcionou o entendimento sobre os equívocos e falácias que permeiam as discussões sobre esse tema.

eca-usp

Ao participar desse evento, tive a satisfação de ter como colegas de mesa Pedro Pomar, editor da Revista Adusp (da Associação dos Docentes da USP) e membro da oposição do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, e Maria Elisabete Antonioli, professora de jornalismo da Universidade Ibirapuera e das Faculdades Integradas Rio Branco. A direção da mesa foi exercida por Paula Sacchetta, aluna do segundo ano de Jornalismo. (Em resposta à pergunta que já deve ter surgido na cabeça muitos leitores, aqui vai a resposta: sim, ela é parente — neta — do incomparável Hermínio Sacchetta).

O mais importante do debate foi o interesse dos debatedores nos argumentos contrários. Diferentemente do que tem sido registrado dos encontros entre antagonistas dessa polêmica, em que predomina o exercício de se dirigir somente às suas próprias platéias, ali foi possível uma discussão ponto a ponto de diferentes aspectos da exigência da formação superior específica em jornalismo estabelecida no Brasil por meio do Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969.

Mais que ressaltar os principais embates ocorridos nessa discussão, vale a pena destacar os consensos nela obtidos. Teremos muito a ganhar em novos debates presenciais ou virtuais se esses pontos forem, se não seguidos, pelo menos conhecidos. Tento resgatá-los a seguir, e coloco-me à disposição de Pomar, Elisabete e dos demais presentes ao debate para corrigir eventuais equívocos.

Os consensos

  1. Não à desqualificação dos oponentes. Como bem destacou Pomar, tem sido inadequado o procedimento da Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas) de reduzir à mera defesa de interesses patronais as críticas à obrigatoriedade do diploma. Em contrapartida, a defesa dessa exigência não pode ser identificada automaticamente com a defesa de interesses corporativistas de sindicatos, donos de faculdades particulares ou professores de jornalismo. Na prática, esses expedientes consistem no apelo à falácia do Argumentum ad hominem.

  2. O decreto-lei e a Junta Militar. Não é válido o argumento de que a obrigatoriedade do diploma não é legítima porque foi estabelecida pelos ministros militares que governaram o país em 1969. Não se pode escamotear, como bem destacou Maria Elisabete, o fato de que várias reivindicações foram levadas meses antes por sindicalistas ao governo. (A esse respeito, vale a pena ler o artigo o artigo “Liberdade de expressão e regulamentação profissional”, de José Carlos Torves, publicado em 26/08/2008 no Observatório da Imprensa.) No entanto, divergi dos outros dois debatedores ao observar que pode e deve ser explorado juridicamente o fato de esse decreto-lei não se basear em nenhuma outra lei, mas somente no AI-5 e no AI-16, revogados desde 1979.

  3. Não confundir a formação com sua exigência. Deve-se evitar a expressão “contra o diploma”. O que está em questão não é a formação, mas a sua obrigatoriedade. Melhor dizendo, a obrigatoriedade da formação superior específica em jornalismo para o exercício dessa profissão. A ressalva pode parecer óbvia, mas a divisão simplória entre “favoráveis ao diploma” e “contrários ao diploma” tem servido para potencializar equívocos, principalmente entre aqueles que estão pouco informados sobre a questão.

  4. Jornalismo não é só prática. Não é verdade que o jornalismo se aprende somente com a prática. Esta não é suficiente para o exercício da profissão de acordo com seus preceitos éticos e técnicos. Além disso, o jornalismo exige boa formação cultural e humanística. A divergência responsável entre favoráveis e contrários à obrigatoriedade está na forma com a qual deve ou pode ser obtida ou comprovada essa formação.

  5. Qualidade dos cursos não serve como argumento. A afirmação de que os cursos de jornalismo, em sua maioria, são ruins não serve para invalidar a sua obrigatoriedade. Esse argumento pode justificar a suspensão ou o fechamento caso a caso de cursos de qualquer área, mas não o fim de sua obrigatoriedade.

  6. Não confundir opinião com jornalismo. Muitos dos que são contra a obrigatoriedade do diploma se equivocam ao usar artigos opinativos de especialistas como exemplos de bons trabalhos jornalísticos. O Decreto-lei 972/1969 não impede que especialistas de outras áreas escrevam como convidados ou como colaboradores. O que está em questão é se só a formação superior em jornalismo pode preparar alguém para exercer funções exclusivamente jornalísticas, como as de repórter, redator, editor e outras.

  7. Ideologização e falta de verificação. Muitos daqueles que evitam o debate alegam que ele é “ideologizado”. No entanto, seja no sentido amplo ou no específico do termo “ideologia”, não é possível evitar aspectos ideológicos na discussão. O ponto relevante é que muitas manifestações têm sido feitas sem preocupação com a verificação e a análise de suas premissas. Nesse sentido, é lícito afirmar, como Rogério Christofoletti em seu blog Monitorando, que a “Discussão sobre o diploma está muito ideologizada” (negrito meu).

  8. Não confundir exigência do diploma com regulamentação. A profissão de jornalista é regulamentada em muitos dos países em que não há o requisito de formação superior específica para ela. Enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) não se pronuncia sobre essa exigência e sobre a Lei de Imprensa, poderíamos avançar na discussão sobre os diversos modelos de regulamentação vigentes.

  9. O debate não deve se restringir ao aspecto constitucional. Em que pese o fato de o tema estar prestes a ser julgado pelo STF, a discussão não deve ser restrita à tese da não recepção do Decreto-lei 972 pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, incisos V e XIII). É preciso também debater em seu mérito a exigência da graduação específica em jornalismo.

  10. Jornalismo cidadão. Isso, por princípio, não é jornalismo. Na maioria dos casos, os veículos em que essa atividade é desenvolvida não devem necessariamente ser considerados jornalísticos. O fato de as novas tecnologias de comunicação abrirem cada vez mais oportunidades de expressão, como os blogs e sites pessoais, traz maior complexidade para o desafio de regulamentar a profissão, mas não serve como argumento contra a obrigatoriedade do diploma. Os veículos que não se pautam pelos preceitos técnicos e deontológicos do jornalismo — o que inclui muitos blogs e sites de pessoas formadas em jornalismo — não são jornalísticos. Não são nada mais que novas fontes.

As divergências

É neste ponto que começam as divergências sobre as premissas dos debatedores. Nem mesmo o próprio Recurso Extraordinário 511961, do Ministério Público Federal de São Paulo, a ser apreciado por essa Corte, incorre na limitação do tema ao aspecto constitucional, na medida em que apela para outros dispositivos com força de lei no Brasil. Tratam-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, e da Convenção Americana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos:

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Artigo XIX.

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Convenção Americana Americana de Direitos Humanos. Artigo 13.

Liberdade de Pensamento e de Expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

Omissão de professores

Ressaltei no debate aquilo que já disse várias vezes neste blog e em outros espaços: não se vêem respostas dos acadêmicos defensores da obrigatoriedade a diversas contestações explícitas a essa exigência, principalmente a manifestações de importantes teóricos da comunicação. Com essa omissão, eles, na condição de docentes e pesquisadores, renunciam a exercer plenamente o ethos acadêmico e, na condição de jornalistas, renunciam ao debate de idéias.

Um exemplo de estudioso da comunicação muito respeitado no Brasil e no mundo, e contrário à obrigatoriedade do diploma é Daniel Cornu, professor do Instituto de Jornalismo e Comunicação, da Universidade de Neuchâtel, de Lausanne, e diretor do Centro Franco-Suíço de Formação de Jornalistas, de Genebra. Mas não se vêem contestações à afirmação dele de que

O jornalismo é uma “profissão aberta”, que não exige formação específica ou diploma. Sua definição é tautológica: é considerado jornalista quem exerce sua atividade principal na imprensa escrita ou nos meios de comunicação audiovisuais. Mais precisamente, são reconhecidos como jornalistas os agentes da mídia, independentemente dos meios ou técnicas de expressão utilizados, que satisfaçam três critérios: a concepção e realização de uma produção intelectual, uma relação deste trabalho com a informação, além do critério de atualidade.

(Daniel Cornu. Ética da Informação. Tradução de Laureano Pelegrin. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1998, pág. 19.)

Apontei vários exemplos de omissões desse tipo nas postagens “Os defensores do diploma e seus debates imaginários”, de 08/08/2008, “A liberdade de expressnao e o diploma de jornalismo”, de 16/09/2008, assim como no artigo “Diploma de jornalismo”, publicado em 24/06/2005 na Revista Consultor Jurídico e também em 27/06/2005 no Observatório da Imprensa.

Condição necessária

Além desse argumento de ordem jurídica, apresentei outro, o de que a formação superior específica em jornalismo não é condição necessária — muito menos condição suficiente — para o exercício dessa profissão com base em seus preceitos técnicos e éticos. (Sobre os princípios éticos do jornalismo, Pomar ressaltou que não conseguiu aprovar em um dos congressos da Fenaj sua proposta de vedar, no Código de Ética, a participação de jornalistas em propagandas com fins comerciais. Concordo com ele.)

Se uma pessoa tem as qualificações mínimas para exercer a medicina, a engenharia, a odontologia, a veterinária e várias outras determinadas profissões, é porque ela teve formação específica nas respectivas áreas. Ou seja, é impossível neste início de século XXI, ter tais qualificações sem ter estudado na respectiva área acadêmica. Nesses casos, a formação superior específica é condição necessária para o exercício de tais profissões. Por isso, justifica-se sua obrigatoriedade nos termos do inciso XIII do artigo 5º da Constituição.

No entanto, se uma pessoa tem as qualificações mínimas para exercer o jornalismo, não podemos afirmar que ela necessariamente estudou jornalismo, o que é é atestado pelo que acontece em quase todo o mundo. O mesmo se aplica à publicidade, à administração (que é exercida também por economistas, engenheiros e formados em outras áreas) à música, às artes cênicas. Isso quer dizer que a formação superior específica não é condição necessária para o exercício dessas profissões. E é por isso que não se deve exigir formação superior específica para elas.

Falácia recorrente

Apesar de sua inegável disposição para a discussão, meus dois colegas debatedores da mesa não apontaram, em suas respostas às questões levantadas por mim e por alguns dos presentes ao debate, quais são as qualificações necessárias para o jornalismo que seriam obtidas exclusivamente por meio da formação superior específica. Minha tese é a de que esse é ponto, que nunca foi provado, sempre teve status de dogma. E foi o que sempre esteve por trás da confusão recorrente do jornalismo com profissões que exigem qualificações obtidas necessariamente por meio de cursos superiores específicos. Sem falar nos argumentos do tipo “então tem de abolir também o diploma de médico, engenheiro…”.

Reconheci no debate que, apesar da correção lógica desse argumento, não dá para convencer muitos dos defensores da obrigatoriedade do diploma a aceitá-lo. Mas ele deixa claro que é deles o ônus de uma complicada prova — que na minha opinião é impossível. Portanto, a alegação de que muitos críticos da obrigatoriedade confundem direito de expressão e exercício profissional se baseia em uma premissa: a de que a formação específica é condição necessária para qualificações exigidas pela profissão. Mas é justamente isso o que deveria ser discutido. Em outras palavras, essa alegação incorre naquilo que em lógica se chama falácia da petição de princípio.

Agradeço aos alunos da ECA-USP pela oportunidade de discutir esse assunto e pelo ambiente agradável que proporcionaram para isso. Agradeço também aos outros dois debatedores que participaram do evento: eles ressaltaram aspectos relevantes sobre a exigência do diploma e mostraram que o debate civilizado de idéias é possível mesmo em torno de um tema altamente polêmico como esse.

PS de 14/11 — Foi acrescentado agora, após o intertítulo Consensos, o décimo item (Jornalismo cidadão) que faltou na versão original do texto acima.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 11/11/2008 at 6:30

Debate sobre diploma na USP foi muito bom

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Foi muito bom o debate “Obrigatoriedade do diploma”, realizado ontem (quinta-feira, 06/11) à noite no Auditório Freitas Nobre, do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP. Estão de parabéns os alunos que organizaram o encontro, que fez parte da programação da Semana de Jornalismo 2008, da Escola de Comunicações e Artes da USP. Foi um grande avanço na discussão sobre a obrigatoriedade da formação superior em jornalismo para o exercício dessa profissão no Brasil.

Agradeço aos alunos da ECA-USP pela oportunidade de discutir esse assunto e pelo ambiente agradável que proporcionaram para isso. Agradeço também aos outros dois debatedores que participaram do evento: Pedro Pomar, editor da Revista Adusp, da Associação dos Docentes da USP, e Maria Elisabete Antonioli, professora de jornalismo da Universidade Ibirapuera e das Faculdades Integradas Rio Branco. Eles ressaltaram aspectos relevantes sobre a exigência do diploma e mostraram que o debate civilizado de idéias é possível mesmo em torno de um tema altamente polêmico como esse.

Nos próximos dias publicarei um resumo de alguns pontos abordados nesse debate.

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Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 07/11/2008 at 8:04

Debate sobre diploma de jornalismo na USP na próxima quinta

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Como parte da programação da Semana de Jornalismo 2008, organizada por alunos da Escola de Comunicações e Artes da USP, será realizado na próxima quinta-feira (06/11) o debate “Obrigatoriedade do diploma”, para o qual este blogueiro foi convidado.

O outro debatedor é Pedro Pomar, editor da Revista Adusp, da Associação dos Docentes da USP. A condução dos trabalhos da mesa e uma apresentação sobre o tema ficarão a cargo de Maria Elisabete Antonioli, professora de jornalismo da Universidade Ibirapuera e das Faculdades Integradas Rio Branco. Ambos são doutores em comunicação pela ECA-USP.

O debate terá início às 19h30, no Auditório Freitas Nobre, do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP (Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo). Será uma boa oportunidade para discutir a obrigatoriedade da formação superior em jornalismo para o exercício dessa profissão no Brasil, que foi estabelecida por meio do Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969, e deverá ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ainda neste semestre, conforme anunciou o próprio órgão em julho (ver nota “2º semestre: Lei de Imprensa e diploma de Jornalismo”).

Correção das 12h50: Na postagem original, constava erroneamente que Pedro Pomar é professor da USP.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 04/11/2008 at 8:45

A ‘loja fechada’ do jornalismo brasileiro na Economist

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O julgamento a ser realizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício dessa profissão é tema da nota “Licensed to scribbled: An end to the journalism’s closed shop?” (Licença para escrever: Um fim da loja fechada do jornalismo?) da edição desta semana da revista britânica The Economist. Apesar da excelência jornalística dessa publicação, a matéria comete um erro factual ao afirmar que essa exigência foi estabelecida no Brasil em 1967, quando, na verdade, ela ocorreu por meio do Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969, pela Junta Militar que governou o país com base no Ato Institucional nº 5.

A matéria é bem superficial, e seu conteúdo foi traduzido para o português pelo jornalista Marcelo Soares na postagem “Uma arcaica obrigatoriedade”, em seu blog “E Você com Isso?”. Mas a nota tem o mérito de mostrar claramente a imagem que tem em outros países essa exigência:

Ela sobreviveu porque o Brasil costuma ser lento em desfazer tais anacronismos, mas também porque convém aos sindicatos de jornalistas manter a lojinha fechada. Agora, o Supremo Tribunal Federal vai decidir se elimina essa lei.

Uma coletânea de opiniões sobre essa excrescência do jornalismo brasileiro está em um dossiê deste blog.

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Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 24/10/2008 at 7:59

Só jornalistas produzem informação?

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Cientistas, professores e especialistas de todas as diversas áreas do conhecimento não têm as qualificações profissionais necessárias para para produzir informações sobre os assuntos aos quais se dedicam, pois essa é uma atribuição exclusiva de jornalistas. Isso é o que se deduz de afirmações feitas anteontem (terça-feira, 21/10/2008) pelo jornalista Rogério Christofoletti, professor de jornalismo da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), com a postagem “Um estrabismo insistente estreita mais a razão”, em seu blog Monitorando.

Essa estranha tese da atribuição exclusiva dos jornalistas de produzir informações seria respaldada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, segundo o professor, que também é membro do Conselho Administrativo da SBPJor (Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo), assessor do Ministério da Educação para o Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) na área de jornalismo, membro de Comissão Verificadora de Curso do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina e ex-vice presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina.

Segundo o pesquisador, o documento das Nações Unidas, que foi assinado em 1948, tem de ser lido com atenção, especialmente no que se refere ao seu artigo XIX, cujo teor é o seguinte:

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Christofoletti ressalta, com negrito, que “o artigo não menciona ‘produzir’ ou ‘elaborar’ informações”. E acrescenta:

Isto é, o direito vige numa esfera ampla, generalista, e não restritiva ao mundo do trabalho. Jornalistas também são cidadãos, e também gozam do direito da livre expressão. Mas em sua condição profissional, produzem, elaboram, difundem informações com o propósito de abastecer a sociedade com dados que permitam uma compreensão melhor da realidade.

Trocando em miúdos: quer dizer que informação, segundo esse documento das Nações Unidas, é só a informação jornalística?

Forçada de barra

É certo que o professor está completamente equivocado. Não vale a pena prosseguir repisando esse equívoco, que se deveu a uma forçada de barra para tentar refutar minha postagem “O diploma de jornalismo e o estreitamento da razão” e, acima de tudo, para justificar a obrigatoriedade da formação superior específica em jornalismo para o exercício dessa profissão. O que estava em questão eram as qualificações necessárias para esse exercício. No final das contas, o docente acabou enveredando para uma hermenêutica comprometida com uma tese previamente fechada.

Se Christofoletti pretende realmente pôr em prática, como afirmou em sua postagem anterior (“Discussão sobre o diploma está muito ideologizada”), uma autocrítica em relação a esse assunto, deveria confrontar suas convicções com as de importantes teóricos da comunicação. Entre eles, por exemplo, está um cujo blog, La Page du Médiateur, ele indica: Daniel Cornu, professor do Instituto de Jornalismo e Comunicação, da Universidade de Neuchâtel, de Lausanne, e diretor do Centro Franco-Suíço de Formação de Jornalistas, de Genebra. Para Cornu,

O jornalismo é uma “profissão aberta”, que não exige formação específica ou diploma. Sua definição é tautológica: é considerado jornalista quem exerce sua atividade principal na imprensa escrita ou nos meios de comunicação audiovisuais. Mais precisamente, são reconhecidos como jornalistas os agentes da mídia, independentemente dos meios ou técnicas de expressão utilizados, que satisfaçam três critérios: a concepção e realização de uma produção intelectual, uma relação deste trabalho com a informação, além do critério de atualidade.
(Daniel Cornu. Ética da Informação. Tradução de Laureano Pelegrin. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1998, pág. 19.)

Em vez disso, Christofoletti cita indevidamente nesse contexto um artigo recente do jornalista Eugênio Bucci, que já se manifestou contra essa exigência de formação superior específica:

Um jornalista, para ser jornalista, não precisa ter diploma. Nós temos inúmeros grandes jornalistas que não têm. É possível ser jornalista sem. A maior parte dos países não exige diploma de jornalista. Na realidade concreta do Brasil, no entanto, o diploma ajudou a profissionalizar o mercado e a elevar o nível das redações, garantindo um piso salarial, entre outros.
(Entrevista a Thaís Naldoni, Portal Imprensa, 14/11/2005)

Por muito pouco o equívoco de Christofoletti não o levou a posições como aquela de que os “blogs informativos têm de ser assinados por jornalistas”, atribuída a José Nunes, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, por Marcelo Träsel, do blog Martelada.

A corajosa proposta teria sido apresentada no famoso e histórico “debate a favor da obrigatoriedade do diploma”, realizado em 13/08/2008 no Centro Universitário Feevale, de Novo Hamburgo, alertado pelo blog E Você com isso?, do jornalista Marcelo Soares, com sua postagem “Debate seguro”.

PS de 14/11 — Favor ler antes de enviar comentários. A fim de deixar nossa discussão mais produtiva, recomendo a todos os interessados em discutor o texto acima que leiam antes “Debate na USP isola falácias sobre exigência do diploma”, sobre o evento na ECA que foi um grande avanço no debate. Vale a pena verificar se os comentários a serem enviados são mais adequados a este espaço ou ao do outro texto.

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Written by Mauricio Tuffani

quinta-feira, 23/10/2008 at 4:58

O diploma de jornalismo e o estreitamento da razão

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Se depender dos esforços de muitos acadêmicos defensores da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício dessa profissão, a discussão sobre esse tema continuará seriamente prejudicada. Isso vale também para alguns pesquisadores que argumentam de forma independente das posições sindicalistas, como Rogério Christofoletti, professor de jornalismo da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), com a postagem “Discussão sobre o diploma está muito ideologizada”, em seu blog Monitorando.

Apesar de sua atuação anterior como vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina, Christofoletti tem o mérito de não recorrer a expedientes ad hominem, como satanizar os que são contrários à exigência do diploma de jornalismo. Não é por menos que ele se diferencia de grande parte dos que defendem essa obrigatoriedade ao reconhecer a ideologização que tem tomado conta das discussões em torno desse assunto.

Para Christofoletti, “a discussão em torno do diploma tem sido contaminada muito mais por elementos ideológicos do que racionais ou práticos” e, com isso, “a defesa da formação universitária em jornalismo alcança contornos meramente corporativos”. No entanto, esse esforço de discussão se torna insuficiente, na medida em que ele assume como verdadeiras e deixa de questionar e verificar muitas pressuposições equivocadas sobre a ação judicial contra a formação superior específica para o exercício do jornalismo, que está prestes a ser julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Ladainha sindicalista

Apesar de fugir da surrada retórica sindicalista de apontar os opositores como lacaios dos patrões, o professor da Univali reitera erroneamente que a Ação Civil Pública de 2001 contra a obrigatoriedade do diploma foi “foi movida por grandes empresas jornalísticas”. Na verdade, ela foi proposta pelo procurador da República André de Carvalho Ramos, do Ministério Público Federal de São Paulo. Foi depois disso que o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo solicitou ingresso no pólo ativo da ação contra a União e foi atendido, da mesma forma que a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), que pediu sua inclusão no pólo passivo. Uma mínima verificação das etapas desse processo desde seu início teria mostrado que, diferentemente da federação, a participação do sindicato patronal tem sido irrelevante. Ao repetir essa ladainha sindicalista sem verificar sua veracidade, Christofoletti acaba reforçando a ideologização que ele mesmo se propõe a questionar.

Outro equívoco recorrente que poderia ter sido evitado com um mínimo esforço de verificação é a afirmação de que a liminar concedida em outubro de 2001 pela juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível Federal de São Paulo, teria se baseado no pressuposto de que “restringirmos o exercício do jornalismo àqueles que detêm diplomas universitários é um desrespeito à liberdade de expressão e a manutenção de um privilégio elitista”. Apesar de ter transcrito de forma simplificada alguns dos argumentos da referida Ação Civil Pública, a liminar, por ter sido uma decisão liminar, praticamente não entrou nesse mérito, limitando-se a considerar os aspectos mais formais.

O mérito da ACP foi julgado pela citada juíza em sua sentença de dezembro de 2002. O texto dessa decisão judicial apresenta alguns equívocos não relevantes no conjunto de sua argumentação — como comparar textos opinativos de especialistas de diversas áreas com reportagens —, mas que têm sido repetidos ad nauseam de forma descontextualizada pelos defensores da obrigatoriedade do diploma. E é justamente com base na batida insistente nessa tecla que tem sido perpetrada uma das maiores distorções desse debate: a tese de que a argumentação contra a exigência do diploma confunde liberdade de opinião com liberdade de expressão.

Acordos internacionais

Apesar de se referir a muitas manifestações sobre esse tema que têm sido apresentadas e confrontadas no Observatório da Imprensa, Christofoletti apresenta nesse texto em seu blog argumentos que desconsideram essa discussão virtual. Por exemplo:

Não se pode confundir o direito à liberdade de expressão com o exercício profissional do jornalismo. São coisas de natureza distinta. O primeiro é um direito, previsto em diversos protocolos, inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem. O segundo é uma atribuição específica que depende de uma habilitação para tal. Isto é, o exercício de uma profissão exige conhecimentos técnicos, competências e habilidades para ser efetivado. No caso das profissões regulamentadas — e o jornalismo é uma delas —, há outras exigências, inclusive burocráticas para a obtenção de registro profissional. A inclusão da obrigatoriedade de diploma universitário é uma maneira de contribuir para que os quadros que exerçam o jornalismo passem por uma formação mais ampla, mais específica, mais qualificada. Isso garante que essa formação aconteça? Claro que não. Mas as leis prescrevem e outros instrumentos devem garantir a efetivação das políticas previstas em lei.

Diferentemente do que se infere dessas afirmações, os “diversos protocolos” a que elas se referem são explicitamente contrários a quaisquer restrições ao livre acesso à atividade jornalística. Mais que isso, tratam-se de acordos internacionais ratificados pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, e a Convenção Americana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos:

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Artigo XIX.
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Convenção Americana Americana de Direitos Humanos. Artigo 13.
Liberdade de Pensamento e de Expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputaçào das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

Questão desfocada

Não bastasse repetir a eterna confusão dos termos da liminar de outubro de 2001 com os termos da sentença de dezembro de 2002 que vigorou até outubro de 2005, e apesar da autocrítica em relação a esse tema que afirma ter posto em prática, Christofoletti acaba sendo pautado pela retórica da Fenaj e dos sindicatos a ela associados, que omitem em seus sites diversas informações sobre todo esse processo judicial. Já não importa essa sentença mais a esta altura dos desdobramentos. O que está em pauta é o Recurso Extraordinário 511961, do Ministério Público Federal de São Paulo, que ensejou Ação Cautelar 1.406, da Procuradoria Geral da República, para a qual foi concedida pelo STF liminar que suspendeu a exigência do diploma em 16/12/2006.

Uma simples verificação dos termos desse recurso teria mostrado que o que está em questão no STF é, como eu já disse anteriormente, uma concepção do direito de liberdade de expressão que tem um significado muito maior que aquele insistentemente repetido por muitos sindicalistas e professores de jornalismo. Trata-se de um direito que não pertence apenas à categoria dos jornalistas, mas a toda a sociedade.

Apesar da serenidade e do esforço “desideologizante” de sua argumentação, Christofoletti foge ao foco central do que poderia justificar a obrigatoriedade da formação superior específica em jornalismo para o exercício dessa profissão, que são as qualificações necessárias para ele. Ele desconsidera diversos argumentos têm sido apresentados para mostrar que não existe um caminho único para se obter tais qualificações. E, como não há um caminho único, a formação superior específica em jornalismo não é uma condição necessária para o exercício profissional. Se tiverem essa lucidez, ao analisarem esse tema à luz dos incisos IX e XIII do artigo 5º da Constituição Federal, os ministros do STF pregarão uma estaca de madeira nessa exigência.

Para Christofoletti, “o discurso compreensivelmente ideológico da Fenaj em torno do diploma cumpriu um papel fundamental de colocar a questão na agenda nacional, de mobilizar setores nas redações e assessorias, nas escolas e nas instituições”. Segundo ele, a Fenaj e os sindicatos não devem renunciar a suas palavras de ordem aglutinadoras. Infelizmente, elas já passaram do ponto e conduziram grande parte da “categoria” ao estreitamento da razão.

* * * * * * *


PS de quinta, 23/10, 5h15 — Retomo as questões acima com a postagem “Só jornalistas produzem informação?”, em resposta à contestação do professor Rogério Christofoletti.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 21/10/2008 at 7:24

Se for criado, o CFJ será dos patrões também

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Ainda não “caiu a ficha” para a Fenaj (Federação Nacional de Jornalismo) e para os sindicatos a ela associados: no órgão regulador profissional que eles pretendem criar devem participar também as empresas jornalísticas. Não adianta nada mudar o nome Conselho Federal de Jornalismo para Conselho Federal de Jornalistas, como eles fizeram assim que viram, em 2004, sua proposta de criação do CFJ receber sucessivas críticas da imprensa e de juristas.

Em novembro de 2004, a Fenaj apresentou um anteprojeto de lei substitutivo, modificando todas as menções referentes ao “controle da atividade de jornalismo”. Mas já era tarde. O Projeto de Projeto de Lei nº 3.985, de 06/08/2004, acabou sendo rejeitado pelo plenário em votação simbólica de lideranças partidárias em 15/12/2004.

Já naquela época, no artigo “Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ“, publicado em 28/09/2004 no Observatório da Imprensa, apontei a impossibilidade de esse conselho ter apenas o registro dos jornalistas e não o das empresas jornalísticas, como estabelece o artigo 1º da Lei 6.839, de 30/10/1980:

O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.

Tiro no pé

É por essa razão, entre outras, que em junho deste ano o Ministério do Trabalho e Emprego criou um grupo de estudos para propor a regulamentação do jornalismo com uma composição tripartite, com representantes do governo, das entidades de profissionais e das empresas jornalísticas. Uma composição, diga-se de passagem, com sérias limitações, como já mostrou este blog com a postagem “Dois anos após o CFJ, outra péssima idéia do governo“, de 08/08/2008.

Esse aspecto jurídico não é o único que tem passado despercebido até mesmo por juristas que se manifestaram sobre a proposta desde 2004. Uma das razões disso pode ser a escassez doutrinária, no âmbito do Direito Administrativo Público, sobre os conselhos profissionais. Naquele ano, a própria OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) fez considerações inconsistentes ao apoiar com ressalvas o projeto de lei então em trâmite na Câmara dos Deputados, como mostra o seguinte trecho de um comunicado dessa entidade:

O projeto deve prever também, conforme visão do pleno da OAB, apoio à criação de uma entidade dos jornalistas ‘numa estrutura não vinculada ao Poder Público e, portanto, não-autárquica’. A OAB manifestou também posição de que o Conselho Federal de Jornalistas não deverá prestar contas perante o Tribunal de Contas, sendo entidade independente e sustentada pelos profissionais de imprensa, devendo somente a estes prestar contas.
(OAB aprova Conselho de Jornalistas e sugere aprimoramento“, 19/10/2004)

Essa recomendação, no entanto, desconsidera os termos da decisão de 07/11/2002 do STF (Supremo Tribunal Federal), favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.717-6, movida pelo PT e pelo PC do B. O alvo dessa ação era o artigo 58 da Lei 9.649, de 25/05/1998, segundo o qual “serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa”.

Ao fazer rolar por terra esse artigo 58, o STF levou em conta que apenas as entidades de direito público podem ser fiscalizadoras do exercício profissional. É interessante observar que a criação de conselhos federais autárquicos para essa finalidade a partir do Estado Novo (1930-1945) promoveu o enfraquecimento dos sindicatos de profissionais de suas atividades.

Alguns sindicalistas defensores do CFJ já demonstraram ter consciência do risco de que essa proposta traz para suas entidades atuais, mas preferem correr esse risco em prol da regulamentação pelos companheiros. O que eles parecem não levar em conta é que podem estar preparando um tiro no pé, dado o risco de serem engolidos pelos seus patrões dentro desse próprio conselho, se ele for criado.

* * * * * * *

Em tempo: As considerações acima, entre outras, foram apresentadas por mim nesta última sexta-feira (19/09), em Florianópolis, na mesa-redonda “Criação do Conselho Federal de Jornalistas“, que fez parte da programação da Semana do Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, realizada pelo Centro Acadêmico Livre de Jornalismo Adelmo Genro Filho. Também participaram da mesa-redonda a jornalista Valci Zuculoto, diretora de Educação e Aperfeiçoamento Profissional da Fenaj e professora da UFSC, e o juiz Márcio Luiz Fogaça Vicari, do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC e professor de Direito da Univali (Universidade do Vale do Itajaí). A mediadora foi a professora Tattiana Teixeira, chefe do Departamento de Jornalismo da UFSC e diretora editorial da SBPJor (Associação Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo).

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 23/09/2008 at 8:04

MEC cutuca omissão de escolas de jornalismo

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Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil

O ministro Fernando Haddad, da Educação (Foto: Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil)

Não foi isso o que disse o ministro Fernando Haddad, da Educação, mas, na prática é o que ele acabará fazendo: provocar as escolas brasileiras de jornalismo a discutir criticamente os pressupostos da obrigatoriedade da formação superior específica para o exercício dessa profissão, estabelecida pelo Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969.

Em entrevista a emissoras de rádio no estúdio da Embresa Brasil de Comunicação na quinta-feira (18/09), o ministro anunciou que criará um grupo de estudos “para discutir as diretrizes curriculares dos cursos de comunicação social, em especial o de jornalismo, da mesma forma que o MEC já fez com as graduações de direito e medicina”. “Nós acreditamos que é um bom momento para discutir essas diretrizes e verificar inclusive quais são as competências que precisam ser adquiridas por um profissional de outra área para que ele possa exercer a profissão de jornalista”, declarou o ministro, segundo a reportagem “Haddad defende discussão de novas diretrizes para cursos de jornalismo” (Agência Brasil, 19/09/2008).

Passados quase sete anos desde a Ação Civil Pública do procurador da República André de Carvalho Ramos e da liminar a ela favorável concedida pela juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível Federal de São Paulo, nenhum esforço sistemático para discutir com profundidade esse assunto foi feito nem mesmo pelas escolas de jornalismo. Ao contrário, o que se viu foram esforços dissimuladores dos pontos centrais desse tema, inclusive por parte de associações de pesquisadores de jornalismo, como já mostrou este blog na postagem “Os defensores do diploma e seus debates imaginários“, de 05/08/2008.

Essa omissão tornou-se ainda mais irresponsável a partir da chegada do processo ao Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu liminar que suspendeu a exigência do diploma em 16/12/2006. Por parte da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e dos sindicatos a ela vinculados, não há nenhum interesse em discutir essa obrigatoriedade, que é tratada por eles como um dogma, mas que deverá ser julgada pelo STF ainda neste semestre. O presidente da Fenaj, jornalista Sérgio Murillo de Andrade, que também é professor de jornalismo, declarou que o momento é inoportuno para o debate, segundo registrou a repórter Amanda Cieglinski na matéria acima citada da Agência Brasil.

Reflexão filosófica

Desse modo, lamentavelmente, temos mais um exemplo na história deste país de uma ação por parte do governo para induzir algo que outros setores da sociedade deveriam ter feito. Embora com alguns equívocos, uma crítica interessante a essa iniciativa do MEC foi feita pelo artigo “O jornalista sem escola de jornalismo“, do professor de filosofia Paulo Ghiraldelli Júnior, em seu Portal Brasileiro de Filosofia. Nesse artigo, Ghiraldelli afirma:

Toda e qualquer atividade que chega a ter um curso correspondente no âmbito do ensino superior, para poder gerar mão se obra em forma de profissão, tem de ter respaldo epistemológico. Quem diria que o jornalismo não tem? Quem vier a afirmar isso terá de afirmar também que a atividade de professor não tem. Pois ser professor é saber algo para ensinar. Ora, posso ser professor de biologia se sou médico, não? Posso ser professor de matemática se sou engenheiro, não? Vejam que o raciocínio é infinito nessa linha. É bom não começar a pensar nisso a partir do governo. É melhor que isso seja uma discussão do âmbito da investigação filosófica sobre o tema.

O professor de filosofia tem razão. Há toda uma reflexão que deve ser feita no plano epistemológico sobre esse assunto. No entanto, talvez por desconhecer a omissão dos acadêmicos brasileiros em proceder a esse questionamento — ou até mesmo, o que é  compreensível, nem imaginar que essa atitude seja possível —, Ghiraldelli se engana ao fazer as seguintes considerações:

Creio que o MEC faria melhor se não formasse comissão alguma e deixasse tais discussões fluírem naturalmente no campo das escolas de comunicações, empresas jornalísticas e programas de pesquisa sobre o assunto. Agora, se o MEC quer participar disso, faria algo útil oferecendo incentivos para que as próprias empresas, em comum acordo com pesquisadores da área, viessem a desenvolver reflexões sobre isso. Nada de uma comissão de doutos para fazer aquilo que é para ser feito no campo sócio-histórico da sociedade.

Para decepção do professor de filosofia, em vez da reflexão crítica que é indissociável do ethos acadêmico, o que predominou nas instituições de ensino e pesquisa de jornalismo brasileiras nestes anos todos foi um insistente e dogmático mantra coletivo em torno de uma obrigatoriedade que tem sido repudiada por estudiosos e profissionais em vários países.

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Written by Mauricio Tuffani

domingo, 21/09/2008 at 15:48

Debate hoje em Florianópolis com a Fenaj

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Participo hoje, às 16h30, em Florianópolis, da mesa-redonda “Criação do Conselho Federal de Jornalistas“, que faz parte da programação da VII Semana do Jornalismo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Diferentemente do que estava previsto, não participará dessa mesa-redonda o jornalista Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). A entidade será representada por sua diretora de Educação e Aperfeiçoamento Profissional, a jornalista Valci Zuculoto, professora da UFSC. O outro convidado é o juiz Márcio Luiz Fogaça Vicari, titular do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, que também é diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC e professor de Direito da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

A mediadora será a professora Tattiana Teixeira, chefe do Departamento de Jornalismo da UFSC e diretora editorial da SBPJor (Associação Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo). A VII Semana do Jornalismo é uma realização do Centro Acadêmico Livre de Jornalismo Adelmo Genro Filho.

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Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 19/09/2008 at 1:55

Projeto de lei tumultua regulamentação do jornalismo

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Passados quatro anos desde a desastrada tentativa da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e do Governo Federal de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), o tema ameaça se tornar agora um imbróglio com o Projeto de Lei nº 3.981, proposto no dia 2 deste mês pelo deputado federal Celso Russomano (PP-SP), que “Dispõe sobre a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Jornalismo, sobre o exercício da profissão de Jornalista, e dá outras providências”.

Não bastassem a espera pela votação no STF (Supremo Tribunal Federal) da obrigatoriedade do diploma de jornalismo e o grupo de estudos criado pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) “para propor alterações na legislação em vigor a fim de viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas”, o novo projeto de lei prevê “exame de ordem” para acesso à profissão (art. 12, inc. V), competência para determinar “critérios para o traje dos jornalistas” (art. 12, inc. XI), obrigatoriedade de “diploma ou certificado de graduação ou pós-graduação em jornalismo” (art. 33, inc. II) e a criação de tribunais de ética para julgar processos disciplinares (art. 14).

A dúvida principal que envolve esse PL é se parlamentares têm competência legal para o proporem. Conforme seu artigo 2º, “o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Jornalismo constituem, em seu conjunto, uma autarquia federal, com personalidade jurídica de direito público e autonomia administrativa e financeira”. Entretanto, a Constituição Federal estabelece que são da competência exclusiva da Presidência da República as leis que disponham sobre a “criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública” (artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “e”).

Foi justamente por causa dessa competência privativa que a Fenaj propôs pela primeira vez em 2002 para o Governo Federal — ainda na gestão FHC — seu primeiro anteprojeto de lei de criação do CFJ. Outro anteprojeto foi enviado em 2004, já na gestão do presidente Lula, que, após diversas alterações, o encaminhou à Câmara em agosto daquele ano, onde se tornou o Projeto de Lei nº 3.985, que acabou sendo rejeitado pelo plenário em votação simbólica de lideranças partidárias em 15/12/2004.

Manifestação no STF

O PL de Russomano não é a primeira tentativa desse deputado para regulamentar a profissão de jornalista. Ele já havia apresentado o Projeto de Lei nº 6.817/2002, que previa a criação da Ordem dos Jornalistas do Brasil como uma entidade não governamental e acabou sendo arquivado com a proposta do CFJ em dezembro de 2004.

A nova proposta de Russomano incorporou alguns cacoetes autoritários que não existiam nem sequer no PL do CFJ de 2004, mas que foram encaminhados ao Legislativo pela Fenaj por outros meios. Um exemplo disso é a definição das atividades privativas de jornalista, que já havia sido proposta por meio do Projeto de Lei nº 708/2003, de autoria do deputado Pastor Amarildo (PSB-TO e depois PSC-TO), que foi aprovado na Câmara e no Senado, mas foi vetado por Lula em 26/07/2006.

O artigo 32 da atual proposta de Russomano prevê como atividades privativas de jornalista a “execução de desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico”, “revisão de originais de matéria jornalística com vistas à correção redacional e à adequação da linguagem” e o “ensino, em qualquer nível, de técnicas de jornalismo”. Esta última esbarra no artigo 207 da Constituição Federal, que estabelece a autonomia universitária, devidamente explicitada pela jurisprudência a seguir:

As Instituições de Ensino Superior (IES) não se sujeitam à fiscalização das Autárquicas Corporativas, sob pena de violação ao princípio da Autonomia das Universidades, de cunho Constitucional e precisa definição da Lei-CF88.
[JSTJ e TRF, Volume 103, página 575. Apelação Cível n. 106.388-Pb]

Para esquentar ainda mais o clima em Brasília, está prevista para hoje, dia seguinte à divulgação do PL de Russomano, uma manifestação junto ao STF pela manutenção da obrigatoriedade do diploma de jornalistas promovida pela Fenaj e pelos sindicatos a ela associados, que afirmaram desconhecer a proposta do deputado.

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Written by Mauricio Tuffani

quarta-feira, 17/09/2008 at 8:08

A liberdade de expressão e o diploma de jornalismo

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Cartaz de campanha da Fenaj

Entre as diversas contestações aos meus artigos sobre a obrigatoriedade da formação superior em jornalismo para o exercício dessa profissão, raras foram as que trouxeram novos elementos para o debate em torno desse assunto. Entre essas exceções, destaco o artigo  “Liberdade de expressão e regulamentação profissional”, do jornalista José Carlos Torves, publicado em 26/08/2008 no Observatório da Imprensa.

Torves foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul e atualmente é diretor do Departamento de Mobilização, Negociação Salarial e Direito Autoral da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). Nesse seu artigo, ele apresenta uma rica descrição dos bastidores das discussões entre sindicalistas e representantes do governo anteriores à promulgação do Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969, por meio do qual foi regulamentada a profissão de jornalista no Brasil com a exigência da formação superior específica.

Vale a pena ler o artigo. Torves narra os vaivéns das reivindicações da Fenaj junto ao governo e desmistifica, de forma convincente, a idéia de que teria sido um presente da Junta Militar para os sindicalistas o decreto-lei baixado naquele período em que o vice-presidente da República foi impedido de assumir a Presidência, o Congresso Nacional estava fechado e o país era governado com base no Ato Institucional nº 5, de 13/12/1968.

Nesse mesmo artigo, o jornalista gaúcho faz importantes considerações sobre o histórico de cerca de 80 anos de mobilização em prol da regulamentação profissional e da obrigatoriedade do diploma. Além disso, ele contesta, e com razão, o argumento contrário a essa exigência com base no fato de que muitos cursos de jornalismo são de baixo nível: “O que nos compete, enquanto cidadãos, é a cobrança e a fiscalização do Estado para que tenhamos cursos de qualidade”.

A controvérsia

Um dos diferenciais positivos do artigo do diretor da Fenaj em relação à quase totalidade dos defensores da obrigatoriedade brasileira do diploma de jornalismo está em não fugir à realidade da regulamentação profissional em outros países. Ao reconhecer que o Brasil é um dos poucos países do mundo a manter tal requisito, Torves ressalta que “o que se deve questionar é se essa exigência é boa ou ruim, uma vez que as sociedades não estruturam seus corpos legais e jurídicos simplesmente copiando o que há nos outros países”.

No entanto, minha tese é a da não razoabilidade dessa obrigatoriedade, e ela foi devidamente referenciada no Recurso Extraordinário 511961, do Ministério Público Federal de São Paulo, que ensejou Ação Cautelar 1.406, da Procuradoria Geral da República, para a qual foi concedida pelo STF liminar que suspendeu a exigência do diploma em 16/12/2006.

O argumento central dessa tese é que a formação superior específica em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para o exercício dessa profissão com base em seus preceitos ético e técnicos. Uma explicação sobre isso foi apresentada recentemente de forma resumida neste blog na postagem “Os defensores do diploma e seus debates imaginários”, de 08/08/2008.

Por mais meritórios que sejam, os argumentos de Torves com base nas ações e manifestações de importantes jornalistas e professores desde a primeira metade do século XX não refutam essa tese. Nunca é demais apresentar citações ou outros argumentos, como faz o jornalista gaúcho. Eu também o faço em relação aos meus argumentos sobre a obrigatoriedade do diploma — inclusive tenho compilado diversas citações com essa finalidade neste blog. (Ver dossiê “Diploma de jornalismo e regulamentação”). Mas fazer isso sem examinar e contestar os argumentos contrários implica incorrer naquilo em lógica se chama de falácia do argumento da autoridade, definida por Irving Copi como o recurso “ao sentimento de respeito que as pessoas alimentam pelos indivíduos famosos — para granjear a anuência de uma determinada conclusão.” (Irving Copi. Introdução à Lógica. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Mestre Jou, 1974, pág. 81).

Nunca tiveram contestação os argumentos centrais apresentados pela primeira vez há pouco mais de três anos em meu artigo “Diploma de jornalismo”, publicado em 24/06/2005 na Revista Consultor Jurídico e também em 27/06/2005 no Observatório da Imprensa. Isso não significa necessariamente que eles sejam incontestáveis — pretensão essa que não existe —, mas demonstra a falta de disposição para o debate por parte dos defensores da obrigatoriedade do diploma, principalmente daqueles que são acadêmicos da área de teoria do jornalismo.

Muitos dos defensores da obrigatoriedade do diploma de jornalismo têm alegado que ela foi recepcionada pela Constituição Federal de 1989 com base na interpretação conjunta do inciso IX do artigo 5º (“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”) e do inciso XIII (“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”).

Porém, não há razoabilidade em vincular as qualificações para a profissão à obrigatoriedade estabelecida pelo decreto-lei de 1969 se, além das razões apresentadas pelo Ministério Público Federal, a formação superior específica em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para o exercício dessa profissão com base em seus preceitos éticos e técnicos, conforme a tese exposta em meu artigo de 2005.

Opinião e expressão

Outro diferencial do artigo de Torves é o de não incorrer no desgastado expediente de reduzir o tema da liberdade de expressão ao seu aspecto particular da liberdade de opinião, que tem sido repetido ad nauseam por muitos defensores da obrigatoriedade do diploma. Esse argumento, que tem sido repetido ad nauseam por muitos defensores da obrigatoriedade do diploma, não tem nada a ver com os termos do Recurso Extraordinário a ser votado no STF. Desse modo, eles têm insistente e desnecessariamente afirmado que a manifestação de opiniões na imprensa se dá por meio de artigos de colaboradores e em espaços criados especialmente para esse fim, e não por meio de reportagens, que é atribuição de jornalistas.

Independentemente desse equívoco de sindicalistas e muitos professores brasileiros, a exigência do Decreto-lei 972 está em desacordo não só com a tese de sua não razoabilidade acima apresentada, mas também com princípios explicitamente expressos em acordos internacionais ratificados pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, e a Convenção Americana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos:

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Artigo XIX.
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Convenção Americana Americana de Direitos Humanos. Artigo 13.
Liberdade de Pensamento e de Expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputaçào das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

É com base nessa concepção mais ampla de liberdade de expressão que foram formulados em 2006 os argumentos do Recurso Extraordinário pela da procuradora da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, assim como a Ação Civil Pública de 2001 por seu colega André de Carvalho Ramos. Da mesma forma, também se baseou nessa mesma concepção a sentença favorável a essa ação concedida em 2003 pela juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível Federal de São Paulo.

Significado maior

No que se refere à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que foi ratificada em 1992 pelo Executivo (Decreto nº 678) e pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 27), vale lembrar não só para nossos sindicalistas e professores de jornalismo, mas também para muitos juristas que têm se pronunciado em favor da obrigatoriedade do diploma, os seguintes termos da ementa do Decreto Legislativo nº 89, de 1998:

Aprova a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional.

Foi justamente em relação à exigência de diploma para o exercício do jornalismo que em 1985, por manifestação unânime da Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi considerada incompatível com a Convenção a lei nº 4.420, de 22/09/1969, da Costa Rica, que também exigia diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Esse foi o desfecho do processo iniciado na Justiça daquele país pelo jornalista norte-americano Stephen Schmidt, que desde 1971 vinha sendo cerceado pelo governo da Costa Rica por exercer a profissão sem ser formado em jornalismo. (To License a Journalist? — A landmark decision in the Schmidt Case. The opinion of the Inter-American Court of Human Rights. Nova York: Freedom House, 1986.) Após o fracasso em todas as instâncias judiciais costarriquenhas, Schmidt recorreu à Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujo parecer foi o seguinte:

Corte Interamericana de Derechos Humanos, Opinión Consultiva OC-5/85, 13 de Noviembre de 1985.
La corte es de opinión:
Primero, por unanimidad, que la colegiación obligatoria de periodistas, en cuanto impida el acceso de cualquier persona al uso pleno de los medios de comunicación social como vehículo para expresarse o para transmitir información, es incompatible con el artículo 13 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos.
Segundo, por unanimidad, que la Ley nº. 4420 de 22 de setiembre de 1969, Ley Orgánica del Colegio de Periodistas de Costa Rica, objeto de la presente consulta, en cuanto impide a ciertas personas el pertenecer al Colegio de Periodistas y, por consiguiente, el uso pleno de los medios de comunicación social como vehículo para expresarse y transmitir información, es incompatible con el artículo 13 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos.

A concepção do direito de liberdade de expressão que está em pauta no STF tem, portanto, um significado muito maior que aquele insistentemente repetido por muitos sindicalistas e professores de jornalismo. Trata-se de um direito que não pertence apenas à categoria dos jornalistas, mas a toda a sociedade.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 16/09/2008 at 8:49

Uma estratégia pendurada na brocha

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Uma estratégia tortuosa e até mesmo temerária para manter a exigência da formação superior em jornalismo para o exercício dessa profissão pode estar sendo posta em prática pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e pelos sindicatos a ela associados. É o que se pode concluir dos termos da reportagem “Fenaj segue em defesa do diploma, mas já discute alternativas”, de Jonas Leite, para o Observatório do Direito à Comunicação.

A estratégia a ser adotada para manter essa obrigatoriedade foi o principal tema do 33º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em São Paulo nos dias 20 a 24 deste mês, segundo a citada reportagem. O que era de se esperar, uma vez que está prestes a entrar na pauta de julgamentos do STF (Supremo Tribunal Federal) o Recurso Extraordinário do Ministério Público Federal de São Paulo, que ensejou Ação Cautelar do procurador-geral da República, para a qual foi concedida liminar que suspendeu a exigência do diploma em 16/12/2006.

De acordo com a reportagem de Jonas Leite,

“A Fenaj espera que o grupo consiga produzir um consenso que viabilize o envio de um projeto de lei ao Congresso em até 90 dias. A esperança da federação é que se a obrigatoriedade for garantida em uma lei o Supremo não tenha razão para votar a constitucionalidade do Decreto-Lei 972.”

O grupo a que se refere o jornalista é aquele criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Portaria MTE nº 342, de 23/07/2008, “com o objetivo de propor alterações na legislação em vigor para viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas”. Este blog, aliás, já comentou essa iniciativa no post “Dois anos após o CFJ, outra péssima idéia da Fenaj”, de 08/08/2008.

Mesmo que seja possível o STF decidir aguardar pela elaboração e votação na Câmara dos Deputados e do Senado de um projeto de lei de regulamentação profissional que mantenha essa obrigatoriedade, persistirá a questão acerca da inconstitucionalidade. Assim como a Ação Civil Pública do MPF-SP que deu origem em 2001 a esse processo, o Recurso Extraordinário ora em pauta não se apóia somente no fato de o Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969 ser anterior à Constituição de 1989, mas principalmente de o requisito do diploma não ser compatível com a nova Carta.

Além da inconstitucionalidade, há também um aspecto que tem sido esquecido e foi tratado de forma superficial no Acórdão de 26/10/2005 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que anulou a sentença favorável à ACP de 2001. O Recurso Extraordinário ressalta também que tem força de lei no Brasil a decisão de 13/11/1985 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou a Costa Rica a abolir essa mesma obrigatoriedade. De fato, essa decisão tem força de lei em nosso país, como estabelece o Decreto Legislativo nº 89, de 3 de dezembro de 1998, cuja ementa é a seguinte.

“Aprova a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do artigo 62 daquele instrumento internacional”.

Em outras palavras, se for essa a decisão da Fenaj, ela se terá por base uma estratégia “pendurada na brocha”.

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Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 29/08/2008 at 12:06

Essa é de rolar de rir: conheça o ‘debate a favor’

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Você acha o tema da obrigatoriedade do diploma de jornalismo um assunto chato? Desta vez é diversão garantida. Depois do sexo seguro, surge o debate seguro, e o preservativo necessário para ele é de uma eficácia impressionante. Para saber do que se trata, entre no blog E Você com isso?, do jornalista Marcelo Soares, gaúcho radicado em São Paulo, comenta uma notícia hilariante: o Centro Universitário Feevale, de Novo Hamburgo, realiza hoje, às 19h30, um “debate a favor da obrigatoriedade do diploma de jornalismo”. Recomendo a todos que anotem e dêem ampla divulgação ao post de Soares “Debate seguro”.

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Written by Mauricio Tuffani

quarta-feira, 13/08/2008 at 14:09

Dois anos após o CFJ, outra péssima idéia do governo

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Em princípio, parece ser uma boa idéia: o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) decidiu formar um grupo de estudos “para propor alterações na legislação em vigor a fim de viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas”. No entanto, essa iniciativa se deu com base em uma estreita visão sobre a pluralidade de concepções acerca do tema, pois o referido grupo deverá ser composto apenas por representantes de categorias profissionais, de empresas jornalísticas e do próprio ministério, conforme nota divulgada pelo próprio órgão em 25 de julho (“Criado Grupo de Estudos para discutir profissão de jornalista” ).

O problema não está em ser esse tema analisado por empregados, patrões e governo. Mas está em ser estudado somente por representantes desses três setores “com o objetivo de propor alterações na legislação em vigor para viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas”, conforme estabelece a Portaria MTE nº 342, de 23/07/2008. A equipe deverá ter nove integrantes, sendo três de cada um desses setores, e terá prazo de 90 dias para entrega de relatório final ao ministro Carlos Lupi.

Por mais relevantes que sejam os fatores que envolvem as relações entre trabalho e capital, a matéria é por demais complexa para ser considerada somente sob esse enfoque, que certamente prevalecerá na pauta desse grupo. Além disso, a iniciativa do ministro mostra que o governo aprendeu muito pouco com os debates que se sucederam à malograda tentativa de implantação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) por meio do Projeto de Lei nº 3.895, enviado em agosto de 2004 à Câmara dos Deputados por solicitação da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Assim que foi enviada ao Congresso, a proposta do CFJ foi imediatamente identificada, e com razão, como uma iniciativa policialesca por parte da Fenaj secundada pelo governo, ao qual cabe privativamente a atribuição de propor a criação de autarquias. A iniciativa teve, porém, o mérito de abrir um grande debate público sobre a regulamentação do jornalismo. Apesar disso, seu trâmite no Legislativo foi marcado por uma intensa campanha de oposição por parte de empresas jornalísticas e por diversas manobras por parte de sindicatos, como mostrei na época em dois artigos, ambos publicados no Observatório da Imprensa, “O cavalo de Tróia e o rolo compressor”, em 09/09/2004, e “Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ”, em 28/09/2004. E foi também sumariamente arquivada sem nenhuma discussão após um acordo entre o governo e lideranças partidárias da Câmara no início de dezembro.

Em outras palavras esse projeto de lei foi alvo de manobras contrárias ao debate público justamente por força desses três setores que devem integrar o grupo de trabalho previsto pela portaria ministerial. Apesar disso, diversos foram os pontos de vista apresentados por jornalistas, juristas e especialistas de outras áreas por meio de vários veículos de comunicação, principalmente na internet.

Uma observação que descreve com muita propriedade a diversidade de opiniões apresentadas naquele segundo semestre de 2004 sobre essa tentativa de regulamentação do jornalismo é a de Alberto Dines em seu artigo “CFJ continua inútil, mas o debate é essencial”, publicado no Observatório da Imprensa em 14/12/2004:

O grande debate sobre o CFJ, além da sua intensidade e duração, teve o mérito de revelar um novo emissor de opiniões em matéria de imprensa e liberdade de expressão. Ao tradicional binômio empresas-governo acrescentou-se um terceiro elemento: os jornalistas independentes. Este é um dado que tanto o governo como as empresas precisam levar em conta. Já não estão sozinhos na feira das idéias. Significa que poderemos chegar a uma situação semelhante à americana ou européia, onde o ponto de vista da empresa jornalística vem acompanhado por uma dose de suspeição não muito diferente da que envolve as manobras oficiais.

A iniciativa do MTE seria defensável se o grupo de trabalho proposto fosse integrado também, e expressivamente, por estudiosos sobre o assunto, inclusive juristas da área de Direito Público. Se há alguma coisa que o tema da regulamentação da profissão de jornalista no Brasil já tem de sobra, e não precisa de mais nenhum reforço, é o inevitável estreitamento da razão decorrente do enfoque reducionista à relação capital-trabalho, que nada mais faz senão limitar a interpretação de cada um dos fenômenos a um enquadramento binário e maniqueísta.

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Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 08/08/2008 at 22:01

Os defensores do diploma e seus debates imaginários

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“Nuestro problema no es, por tanto, salir a pelear con los
periodistas que afirman que la formación académica no es
necesaria, pues nos podrían echar en cara muchas cosas
en las que tendrían toda la razón.”

(Jesús Martín-Barbero em “Las facultades de comunicación
no pueden renunciar a un
proyecto de país”, entrevista a
Sygno y Pensamiento, 1997, nº 31, p. 52.)1

As entidades defensoras da exigência de graduação superior em jornalismo para o exercício dessa profissão podem comemorar uma importante vitória: conseguiram evitar um efetivo debate público sobre esse tema polêmico ao longo de quase sete anos passados desde que o Ministério Público Federal em São Paulo ingressou com a Ação Civil Pública contra essa obrigatoriedade, que é vigente no Brasil desde a edição do Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969.

Das instituições ligadas ao jornalismo no Brasil, as principais defensoras desse requisito são sindicatos, escolas superiores e associações de professores e pesquisadores. Retomando sua prática contumaz nestes quase sete anos, elas decidiram proceder à tática da pressão junto ao Judiciário, sem ter esboçado o menor esforço para discutir publicamente o assunto. Desta vez, com a entrada do tema na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal, onde em 16/12/2006 foi concedida liminar que suspendeu a exigência do diploma, a pressão passou a ser realizada com bombardeio de e-mails nos endereços eletrônicos dos gabinetes de todos ministros (ver “Sugestão de texto a ser encaminhado aos ministros do STF”).

No que diz respeito à Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas) e aos sindicatos a ela associados, seria ingenuidade esperar que eles promovessem uma ampla discussão sobre o tema. No entanto, apesar de a pesquisa ser parte das atribuições de professores e pesquisadores de jornalismo e de suas entidades, estes não responderam praticamente nada às questões de fundo levantadas contra a obrigatoriedade do diploma desde 2001. Em vez de contestações diretas a argumentos pontuais contrários a essa exigência, suas “contribuições ao debate” recorreram sistematicamente à evasiva e surrada tática de refutar questionamentos genéricos ou imaginários.

Desse modo, nenhum antagonista é citado nominalmente, assim como nenhum documento com tese contrária é mencionado, seja em pronunciamentos de dirigentes, em ofícios de diretorias de entidades e até mesmo em artigos assinados por pesquisadores. Não é por menos que essas manifestações estão disponíveis na página de notícias do site da Fenaj, que prima por sua alergia a opiniões contrárias.

Cartas aos ministros

Um exemplo típico desse recurso à simulação de esclarecimento é a Carta Aberta do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, assinada pelo presidente da entidade, Edson Luiz Spenthof, professor da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás e ex-diretor da Fenaj. Em nenhum trecho esse documento responde a questionamentos relevantes recorrentes. Por exemplo: por que não existe a obrigatoriedade do diploma países como Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, China, Dinamarca Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Peru, Polônia, Reino Unido, Suécia, Suíça e vários outros? Essa questão, aliás, é reforçada precisamente pelo fato de essa “Carta aberta” afirmar que

a preparação dos futuros profissionais para o mundo do trabalho se dá com base na profunda problematização dos procedimentos éticos aplicados à profissão e no treinamento para o exercício dessa função de mediador da realidade social (…).

É o caso também da Carta em defesa da formação superior em Jornalismo para o exercício profissional , divulgada em 21/07 pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), que reúne 347 membros, dos quais 154 são doutores. Segundo esse documento,

um jornalista devidamente preparado em um curso superior obtém conhecimentos que lhe capacitam para garantir a pluralidade de acesso, opiniões, ideologias, culturas e visões de mundo que devem permear o conteúdo jornalístico de um meio de comunicação social (…). [grifo nosso]

Dessa afirmação, podemos inferir logicamente duas possibilidades: 1) essa capacitação é possível somente por meio de cursos de jornalismo; ou 2) pode ser feita por meio deles, mas não exclusivamente. Neste último caso, não se trataria de uma necessidade, o que não justificaria a obrigatoriedade em pauta; no primeiro caso, como responder à mesma questão apontada para o documento do FNPJ, ou seja, como se faz em todos aqueles países para formar jornalistas?

Ambas as cartas têm como alvo primordial de suas críticas a idéia de que o principal argumento contra a obrigatoriedade do diploma é que ela ameaçaria a liberdade de opinião. De fato, essa alegação equivocada foi amplamente propalada durante algum tempo em níveis vulgares de argumentação. No entanto, a esta altura do debate público que pôde — apesar de nossos acadêmicos — ser realizado graças a veículos como o Observatório da Imprensa, não faz mais sentido deixar sem respostas questionamentos formulados e assumidos por críticos que se expuseram individualmente. Fazer isso, assim como insistir na contestação de argumentos notoriamente frágeis e diluídos em um quase-anonimato, não tem nada a ver com confronto de idéias, muito menos com o ethos da pesquisa do qual tanto se orgulham os acadêmicos do jornalismo. Sem falar que é subestimar a inteligência dos ministros do STF, aos quais essas cartas se dirigem.

Questões ignoradas

Não houve resposta, por exemplo, a diversas contestações explícitas, por parte de acadêmicos, à exigência do diploma. Uma das que mais tiveram visibilidade pública foi a de Carlos Chaparro, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, em seu artigo “Pequena viagem à história do diploma”, publicado no portal Comunique-se em 04/08/2006, no qual ele fez as seguintes afirmações:

Com seus aspectos positivos e negativos, por boas e más razões, a obrigatoriedade do diploma passou a ser uma eficaz ferramenta de poder sindical. Mas, atingida pelas transformações produzidas pela revolução tecnológica e pela redemocratização, a argumentação do controle da profissão pelo diploma perdeu força. A sustentação das razões pró-obrigatoriedade tornou-se particularmente difícil depois da Constituição de 1988, a carta das liberdades e dos direitos.

Chaparro foi também um dos jornalistas e estudiosos da profissão que fizeram sugestões de diferentes formas de acesso a esse ofício. Exatamente uma semana após a publicação do artigo acima mencionado, sua coluna no Comunique-se trouxe o texto “O diploma não pode ser o eixo da discussão”, (11/08/2006) no qual, baseado em sua familiaridade com o jornalismo português, ele afirmou:

Na minha avaliação, levando em conta as complexidades e liberdades do mundo atual, e o que ele exige do jornalismo, o ingresso na profissão de jornalista deveria ser acessível a quaisquer cidadãos no pleno uso dos seus direitos, desde que provem ter formação superior concluída (com exceção das atividades em que tal exigência seja descabida). Precisariam, porém, passar por um período de estágio ou experiência probatória (no mínimo seis meses, no máximo um ano), com a devida remuneração, e com a obrigação de nesse período fazerem estudos sobre jornalismo, com orientação pedagógica.

Também têm sido desconsiderados questionamentos da obrigatoriedade do diploma em função da própria idéia do jornalismo como a principal atividade de mediação da informação. É o caso de Ivana Bentes Oliveira, diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na entrevista “É restritivo demais pensar só no jornalismo como centro da discussão midiática”, publicada em 26/03/2008 pela revista eletrônica IHU Online, da Unisinos.

Acredito que hoje o diploma represente uma reserva de legitimação dos sindicatos. É claro que os sindicatos tiveram uma importância histórica nas lutas políticas e vão continuar a ter, mas também considero que devemos passar por um momento de mudança dessa mentalidade, porque quem faz jornalismo hoje não é só jornalista. Nós temos vários outros grupos sociais produzindo jornalismo.
(…)
Creio que o diploma já foi importante, mas não é mais. As escolas de comunicação precisam vender qualidade e não reserva de mercado para um determinado profissional.”
(…)
Se a exigência do diploma acabasse amanhã, os cursos de comunicação continuariam iguais. Os cursos que fazem a diferença dentro da formação desse profissional continuam formando profissionais de qualidade. O que muda e o que acaba são os cursos que realmente vendiam apenas o diploma.

Discussão fora do Brasil

É inaceitável o silêncio de acadêmicos brasileiros defensores da exigência do diploma a posições contrárias a essa tese por parte de teóricos do jornalismo que gozam de grande prestígio em nosso país e fora dele. É o caso de Jesús Martín-Barbero, pesquisador espanhol radicado na Colômbia, autor de obras traduzidas para vários idiomas, como Dos Meios às Mediações. Esse pesquisador tem ressaltado que não é relevante para o jornalismo a exigência de formação superior específica, e justamente em função da necessidade e do desafio de explicitar para a sociedade a distinção entre o jornalismo e a comunicação em geral.

Primero habría que poner esto en perspectiva histórica. No podemos colocar a las carreras de Comunicación al nivel del desarrollo, tanto interno de otros saberes, como de la definición de los haceres de profesiones, con carreras como Economía, por ejemplo. Éstas llevan muchos años por delante de nosotros, legitimándose como saberes y después, configurando diferentes oficios. En esto no hay que ser masoquistas. Las nuestras no tienen el mínimo de tiempo para legitimarse como saber porque estamos en una encrucijada en la cual decir Comunicación hoy es decir una palabra absolutamente clave de la modernización del mundo, de la configuración de las sociedades modernas.
Nuestro reto está en darnos cuenta de que juntar Comunicación y Periodismo es juntar dos cosas que hoy día tienen muy poco que ver. Porque del Periodismo se puede hacer una historia muy corta a través de dos modelos: por un lado está el de Periodismo como espacio de debate, propio del siglo XIX; y por otro lado, aparece el modelo periodístico norteamericano, que hace de la información el objetivo. De un periódico como espacio en donde se debatían las concepciones de los social y en el que no había partido político, por pequeño que fuera, que no tuviera el suyo, hemos pasado a un tipo de periodismo basado en la información.
(“Las facultades de comunicación no pueden renunciar a un proyecto de país”, entrevista a Sygno y Pensamiento, 1997, nº 31, p. 54)

Outro trabalho importante é o artigo “Searching for the Perfect J-school”, publicado na edição de novembro/dezembro de 2002 da Columbia Journalism Review por Brent Cunningham, professor da Escola de Jornalismo da Universidade Colúmbia, em Nova York, e editor-executivo dessa revista. A importância desse estudo para o Brasil se deve à grande repercussão que teve em nosso país, também dentro e fora do meio acadêmico, graças à sua tradução pelo Observatório da Imprensa e por ter sido elaborado na seqüência das acaloradas discussões surgidas a partir de julho de 2002, quando Lee C. Bollinger, recém-nomeado na universidade como presidente (função equivalente à de reitor no Brasil), suspendeu o processo de escolha, para a Escola de Jornalismo, de seu reitor (diretor, no Brasil), ao mesmo tempo que propôs rediscutir a finalidade do curso. Em meio às suas considerações sobre o papel do ensino superior na formação profissional, as quais abordaremos mais adiante, Cunningham afirmou:

Todo mundo precisar ir à escola de Jornalismo? Claro que não. Mas nestes dias, quando a maioria das redações não investe muito tempo em treinamento, as escolas não são irrelevantes. A questão então é: o que os jornalistas precisam saber e quanto se pode esperar que as escolas ensinem?

Assim como é moralmente indefensável que nossos acadêmicos partidários da exigência do diploma se façam de mortos em relação a essas palavras de Cunningham, o mesmo se pode dizer deles, em meio a toda a polêmica surgida desde a Ação Civil Pública de 2001, por não terem trazido nada para o debate público sobre as discussões que ocorreram na Itália, onde a cúpula da Ordine dei Giornalisti pretendia assegurar a obrigatoriedade da formação superior em jornalismo para o exercício da profissão. O pouco que aqui se divulgou sobre isso foi feito apenas pela Fenaj e por sindicatos por meio de notas em seus sites, em 2003, quando esteve em visita ao Brasil Lorenzo del Boca, presidente da Ordine.

Curiosamente, exceto por algumas raras notas ainda disponíveis até o fechamento deste artigo (como a página de notícias de setembro de 2003 do site do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina), quase todas as menções à pretensão da Ordine dei Giornalisti de “elaborar um projeto de lei, nos moldes da legislação brasileira” deixaram de ser acessíveis depois que o Conselho de Estado italiano decidiu não estabelecer essa obrigatoriedade, como informa a nota “Consiglio di Stato: laurea solo opzionale”, publicada em 17/03/2006 no site da própria entidade:

La notizia è definitiva: la laurea non diventerà titolo di studio obbligatorio per i giornalisti professionisti. Lo ha deciso il Ministero della Ricerca e dell’Università, dopo aver esaminato il parere con cui il Consiglio di Stato ha escluso che l’innovazione potesse essere introdotta con un decreto ministeriale.

No que diz respeito à Fenaj, que tanto bate no peito a importância da exigência do diploma como garantia da ética no trato com a informação jornalística, a notícia “Jornalistas italianos apóiam a criação do CFJ” — publicada em seu site em 18/09/2006, quando da nova visita de Del Boca ao Brasil — é um primor de dissimulação, na medida em que aborda esse assunto sem dizer nada sobre a decisão do governo italiano ocorrida naquele mesmo ano.

Pesquisa sobre o tema

No fluxo contrário a essa corrente alheia ao debate público sobre a regulamentação profissional, a jornalista e historiadora Alice Mitika Koshiyama, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, apresentou o trabalho “Ensino de jornalismo e formação para a cidadania” no XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em Santos de 29 de agosto a 2 de setembro de 2007 pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Nesse estudo, a docente da ECA-USP defende uma sólida formação educacional para os jornalistas profissionais. Segundo ela, para orientar seu trabalho, o jornalista vale-se de sua própria ética como cidadão, mas “é a formação técnica e política específica que o habilita para a tarefa de mediador”.

Koshiyama ressalta em seu artigo sua concordância com a tese de que “a fragmentação da realidade do mundo neoliberal e globalizado disseminou a crença de que o jornalista impede a livre expressão das idéias”, que ela sintetiza a partir de um artigo que teve ampla repercussão dentro e fora do meio acadêmico, “Jornalismo, mediação, poder: considerações sobre o óbvio surpreendente” (Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, 2003), de autoria de Sylvia Moretzsohn, professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Vale a pena, para os propósitos do presente artigo, ressaltar as seguintes palavras da professora da docente da UFF:

É nesse quadro [dinâmica da globalização neoliberal, com a desqualificação das instituições e o incentivo ao voluntariado] que surgem propostas, tanto no campo da chamada comunicação popular como no da luta pela ocupação de espaços na mídia, que confundem o exercício do jornalismo com o direito constitucional à liberdade de expressão — questão, aliás, recorrente nas inúmeras vezes em que tem sido posta em causa a exigência do diploma para jornalista — e apontam, de fato, para um ideal que, embora impossível, seria a tradução prática da verdadeira democracia: a possibilidade de falar e de saber das coisas por si próprio, dispensando a mediação do jornalista.

A professora da USP analisou também o artigo acima citado de Brent Cunningham, do qual ressaltou as ponderações de que talvez seja impossível determinar o que as escolas de jornalismo devem ensinar e que não é possível “dar aos estudantes conhecimento especializado em tudo que eles provavelmente vão cobrir em suas carreiras”. Mas ela ressalta que para o autor é possível dar “valores, critérios e as ferramentas que os guiarão enquanto eles se educam sozinhos”, assim como sua certeza da continuidade das mudanças e da expansão do trabalho básico: “aquilo que as escolas sempre fizeram — ensinar pessoas a reportar, escrever e pensar.”

A principal conclusão de Koshiyama é a de que “um ensino de qualidade exige investimento financeiro para valorizar o trabalho do corpo docente e desenvolver órgãos laboratoriais”. Mas ela conclui também em seu artigo que

(…) há um consenso sobre a necessidade de preparação para que alguém exerça a profissão com habilidade e responsabilidade.
Conhecimentos e experiências de vida importam para o jornalista de hoje e do
futuro, o que significa assumir novas concepções de educação, a partir da compreensão das condições do mundo nesse processo de reestruturação produtiva do capitalismo e da mudança de valores, com os paradigmas da globalização e da flexibilização do trabalho.

Em outras palavras, a autora desse trabalho conclui que é necessário algum tipo de formação para o exercício da profissão de jornalista, e, embora não o afirme explicitamente, suas colocações induzem, salvo melhor juízo, à conclusão de que se trata da graduação específica em jornalismo. Cabe ressaltar, no entanto, que ela chega à conclusão de haver consenso sobre isso sem se posicionar em relação a uma afirmação relevante de de Cunningham nesse mesmo artigo por ela analisado, que é justamente aquela acima transcrita: “Todo mundo precisar ir à escola de Jornalismo? Claro que não.”

Koshiyama foi um dos raríssimos exemplos de acadêmicos brasileiros que se posicionaram formalmente em relação a nosso artigo “Diploma de jornalismo”, publicado em 24/06/2005 na Revista Consultor Jurídico e também em 27/06/2005 no Observatório da Imprensa, apontando rigor em nossas ponderações e coerência entre nossa percepção sobre o que é jornalismo e nossas conclusões. No entanto, no que se refere à nossa argumentação central contra a exigência de formação específica para a profissão, entendemos que ela não foi contestada pela professora. Relevamos, porém, o fato de que seu artigo tem a justificação do ensino superior de jornalismo — que é independente de ser ele obrigatório ou não — e a necessidade de investimentos financeiros nos cursos como objetivos principais, e estamos de pleno acordo com eles.

Exigência não razoável

O contexto da elaboração de nosso trabalho acima citado foi a previsão de que chegaria ao STF o questionamento da constitucionalidade da obrigatoriedade do diploma. Retomando os termos desse artigo, nossa tese é a de que não há razoabilidade para a exigência de graduação superior em jornalismo para o exercício dessa profissão de acordo com seus preceitos éticos e técnicos. E o fizemos tendo em vista que

Apesar de estar sub judice, a questão não é da competência exclusiva de juristas. Ela envolve considerações que transcendem os aspectos de ordem puramente jurídica, e uma delas é a da suposta necessidade dessa restrição ao acesso ao exercício do jornalismo, ou seja, se é razoável exigir capacitação por meio de aprendizado para que a profissão seja exercida sem risco para a sociedade.

Nossa afirmação de não haver tal razoabilidade se baseia na conclusão de que a graduação em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para a qualificação ao exercício dessa profissão,2 explicada a seguir:

  1. Não se verifica essa condição necessária porque existem pessoas capacitadas para exercer o jornalismo sem serem graduadas em jornalismo.

  2. Não se verifica a condição suficiente porque existem pessoas graduadas em jornalismo e que não são capacitadas para exercer essa profissão.

  3. Conseqüentemente, a graduação em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para a capacitação para o exercício dessa profissão.

A verificação de 1. se deu pelo fato de existirem vários exemplos de pessoas capacitadas para exercer o jornalismo sem serem graduadas em jornalismo e pela constatação de diversos países não exigirem a formação superior específica para o exercício da profissão, e foi corroborada (e não comprovada) pela forma como diversos teóricos do jornalismo o definem como atividade que prescinde de formação superior específica.

A verificação de 2. se deu principalmente pelos fatos de que o jornalismo exige vocação e de que não existe consenso sobre o conteúdo curricular mínimo dos cursos para assegurar a qualificação profissional; ela poderia ser verificada também pela má qualidade de muitos cursos, mas esse argumento pode ser aplicado aos cursos de todas as profissões.

Efeito pervertedor

No entanto, em relação à qualidade da maioria dos cursos de jornalismo no Brasil, é necessário destacar que, ao invés de promover sua melhoria, a obrigatoriedade do diploma teve sobre eles um efeito pervertedor. Nesse sentido, em acréscimo às opiniões contrárias a essa obrigatoriedade por parte de diversas personalidades relevantes do jornalismo apresentadas em nosso artigo de junho de 2005, vale a pena ressaltar a opinião de outros jornalistas, as quais transcrevemos a seguir.

Favorecidos pela legislação, ao longo de quase duas décadas (desde que começou o debate público sobre o assunto), as escolas de jornalismo preocuparam-se apenas em tirar partido deste fabuloso privilégio. Estão interessadas em entregar o canudo a um número cada vez maior de ingênuos e ingênuas que vêem nele a chave para abrir os portões do mercado de trabalho.
(Alberto Dines, diretor do Observatório da Imprensa, em “A obrigatoriedade autocondenou-se”, Observatório da Imprensa, 21/11/2001.)

Com o mercado aberto, respeitando o direito preservado em cláusulas pétreas, os jornalistas de diploma e ética empoeirados terão que se atualizar. A competição dará novos ares às redações. Aqueles que escolherem o caminho das faculdades deverão demonstrar mais rigor para selecionar seus cursos, visto que apenas o diploma não conferirá o privilégio do “registro” para disputar vagas. O canudo será o que sempre deveria ter sido: um título que comprova que alguém buscou uma preparação para disputar com mais possibilidades uma vaga no mercado aberto.
(Ewaldo Oliveira, jornalista, em “Regina Duarte e os órfãos do medo”, Observatório da Imprensa, 22/01/2003.)

O primeiro problema para o jornalismo de precisão no Brasil será superar um sistema muito rígido que é feito para resistir à inovação. A maior barreira que vejo, de minha perspectiva norte-americana, é a lei que exige que os jornalistas sejam formados em escolas de jornalismo. Essa lei dá às escolas um mercado garantido e as priva do incentivo de fazer melhor as coisas. Sem a lei, as escolas teriam que visivelmente adicionar valor às habilidades existentes de seus estudantes para que pudessem sobreviver. Uma escola profissional deve ser a fonte da inovação e do desenvolvimento para a profissão a que serve. Mas, com um mercado cativo, não há necessidade de que ela faça nada além de assinar certificados de conclusão.
(Philip Meyer, professor de jornalismo da Universidade de Carolina do Norte em Chapell Hill e autor dos livros Precision Journalism e The Vanishing Newspaper, em entrevista ao jornalista Marcelo Soares, editor do blog E Você com Isso?, citada em sua monografia de graduação “Contribuição ao estudo das condições brasileiras para o uso das técnicas de reportagem auxiliada por computador (Computer-Assisted Reporting)”, apresentada em 2004 à Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a orientação da professora Rosa Nívea Pedroso.)

Uma conseqüência inevitável do fim do diploma de jornalista obrigatório seria uma enxugada vigorosa na quantidade de faculdades privadas de jornalismo.
A exigência do diploma específico fez surgir no Brasil uma quantidade de cursos fáceis para quem pode pagar, que jogam anualmente no mercado uma quantidade de profissionais com mínimas possibilidades de emprego. Claro, há instituições de alto nível, como a nossa [Pontifícia] Universidade Católica. Mas não faltam arapucas, que só prosperam graças à exigência do diploma em comunicação.
(Luiz Garcia, jornalista e colunista de O Globo, em “Tiro na pata”, O Globo, 29/07/2008.)

E, como dissemos há poucos dias em outro artigo, publicado na seção Ponto de Vista da Gazeta de Vitória, em 03/08, em contraposição às palavras do jornalista Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj,

Haveria um mínimo de razoabilidade para a exigência do diploma se ela, por exemplo, valorizasse a profissão. Ao invés disso, ela levou justamente ao seu aviltamento, pois estimulou a criação desenfreada de cursos superiores de jornalismo, que por sua vez gerou um efeito perverso e crônico na relação entre oferta e procura de trabalho, sem falar na baixa qualidade do ensino oferecido.

Em junho de 2005, havia 35.322 jornalistas com carteira assinada no Brasil, segundo dados da RAIS apresentados pelo próprio Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Nesse mesmo ano, foram diplomados 28.185 alunos pelos 497 cursos superiores em jornalismo, nos quais ingressaram 47.390 alunos, de acordo com o Censo da Educação Superior. Supondo por baixo que os contratados pela CLT sejam um terço do total de profissionais em atividade, bastariam menos de quatro “fornadas” anuais para ocupar todo o mercado de trabalho. Na Itália, cuja população é um terço da brasileira, em 2005 havia 12 cursos de graduação em jornalismo.

Os cursos superiores de jornalismo do Brasil deveriam ser o que eles são na maior parte do mundo: um diferencial na formação de profissionais. Na contramão dessa compreensão estão, além do Brasil, países como África do Sul, Arábia Saudita, Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Croácia, Equador, Honduras, Indonésia, Síria, Tunísia, Turquia e Ucrânia, que exigem o diploma. Para acabar com o aviltamento da profissão e do ensino superior do jornalismo, é necessário o fim dessa obrigatoriedade estabelecida pelo decreto-lei 972, de 1969.

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Notas

  1. A seqüência dessas palavras de Martín-Barbero é “Y si, además, García Márquez viene a decirles que eso es verdad, que él aprendió a hacer periodismo en la bohemia bogotana, en los cafetines… ¿cómo se sale del enredo?”. Não a pusemos na epígrafe para não dar para nossa argumentação o tom de deboche.
  2. Em termos lógicos, a condição necessária pode ser representada pela sentença P → Q (lê-se “P implica Q” ou “Q é condição necessária de P” ou “P é condição suficiente de Q”), onde P e Q são proposições. No caso de a formação superior específica em jornalismo ser considerada condição necessária para a qualificação para o exercício do jornalismo, P representa a proposição “ser qualificado para exercer o jornalismo”, e Q, por sua vez, representa “ser graduado em jornalismo”. Desse modo, “ser qualificado para exercer o jornalismo” implica “ser graduado em jornalismo”, o que equivale a dizer que “ser graduado em jornalismo” é condição necessária de “ser qualificado para exercer o jornalismo”. Por definição, a sentença P → Q não é verdadeira, isto é, é falsa, se a proposição P é verdadeira e Q é falsa.
    Essas proposições podem também ser apresentadas como predicados aplicados a elementos (ou indivíduos). Por exemplo, P(x) representando “x é qualificado para exercer o jornalismo” e Q(x) como “x é graduado em jornalismo”. Se consideramos um universo de elementos ou indivíduos x, a sentença P(x) → Q(x) é verdadeira se ela é válida para qualquer x. Do ponto de vista lógico, basta um único x para o qual seja verdadeiro o predicado P(x) e não seja verdadeiro o predicado Q(x). Se há pelo menos uma pessoa qualificada para exercer o jornalismo — ou seja, P(x) é verdadeiro — e que não é graduada em jornalismo — isto é, o predicado Q(x) é falso — então não se verifica a condição necessária, ou seja, P(x) → Q(x) não é verdadeira para qualquer x.
    A graduação em jornalismo como condição suficiente para a qualificação para o exercício da profissão pode ser representada com os mesmos predicados acima, mas invertidos em sua ordem na sentença. Se há pelo menos uma pessoa graduada em jornalismo — ou seja, Q(x) é verdadeiro — e que não é qualificada para exercer o jornalismo — isto é, o predicado P(x) é falso — então não se verifica a condição suficiente, ou seja, Q(x) → P(x) não é verdadeira para qualquer x.
    A negação acima descrita da verdade das fórmulas P(x) → Q(x) e Q(x) → P(x) não pode ser questionada como aplicação rigorosa de regras gerais a situações em que há exceções, procedimento que é denominado em lógica como Falácia do Acidente. Tal falácia ocorre, na verdade, por serem consideradas verdadeiras P(x) → Q(x) ou Q(x) → P(x), ou seja, por ser considerada a graduação em jornalismo como condição necessária ou condição suficiente para a capacitação para o exercício dessa profissão

PS (às 23h17) — A grafia correta do primeiro sobrenome do presidente da Fenaj é “Murillo”, com dois eles, e não com um, como erroneamente escrevi no texto acima e na postagem anterior, apesar de eu tê-la verificado antes. Percebi isso há poucos minutos, ao citar o nome dele em um comentário à republicação do texto acima no Observatório da Imprensa. Feitas as correções, peço desculpas ao jornalista Sérgio Murillo de Andrade.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 05/08/2008 at 8:59

A obrigatoriedade do diploma avilta o jornalismo

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O artigo a seguir foi publicado na edição deste domingo do jornal Gazeta de Vitória. Ele foi escrito por este blogueiro como resposta negativa à pergunta “O Supremo Tribunal Federal está prestes a discutir a necessidade de diploma para o exercício da profissão de jornalista. O senhor acha essa titulação necessária?” A resposta afirmativa ficou por conta do jornalista Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas), cujo artigo pode ser lido na versão on-line da seção Ponto de Vista do jornal.

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A formação superior em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para o exercício dessa profissão com base em seus preceitos técnicos e éticos. Ela não é obrigatória em países como Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, China, Costa Rica, Dinamarca Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Peru, Polônia, Reino Unido, Suécia, Suíça e em vários outros.

A concepção que vigora na maior parte desses países é a de que não pode haver impedimentos para qualquer cidadão não só ingressar no jornalismo, mas até mesmo criar e manter seu próprio jornal. Na contramão desse princípio estão, além do Brasil, África do Sul, Arábia Saudita, Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Croácia, Equador, Honduras, Indonésia, Síria, Tunísia, Turquia e Ucrânia, que exigem o diploma.

É por isso que Claude-Jean Bertrand, professor da Universidade de Paris II, afirma em seu livro A Deontologia das Mídias, de 1997: “A excepcionalidade de que goza o jornalismo, dentre as instituições democráticas, consiste em que seu poder não repousa num contrato social, numa delegação do povo por eleição ou por nomeação com diploma ou por voto de uma lei impondo normas. Para manter seu prestígio, e sua independência, a mídia precisa compenetrar-se de sua responsabilidade primordial: servir bem à população.”

Haveria um mínimo de razoabilidade para a exigência do diploma se ela, por exemplo, valorizasse a profissão. Ao invés disso, ela levou justamente ao seu aviltamento, pois estimulou a criação desenfreada de cursos superiores de jornalismo, que por sua vez gerou um efeito perverso e crônico na relação entre oferta e procura de trabalho, sem falar na baixa qualidade do ensino oferecido.

Em junho de 2005, havia 35.322 jornalistas com carteira assinada no Brasil, segundo dados da RAIS apresentados pelo próprio Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Nesse mesmo ano, foram diplomados 28.185 alunos pelos 497 cursos superiores em jornalismo, nos quais ingressaram 47.390 alunos, de acordo com o Censo da Educação Superior. Supondo por baixo que os contratados pela CLT sejam um terço do total de profissionais em atividade, bastariam menos de quatro “fornadas” anuais para ocupar todo o mercado de trabalho. Na Itália, cuja população é um terço da brasileira, em 2005 havia 12 cursos de graduação em jornalismo.

Os cursos superiores de jornalismo do Brasil deveriam ser o que eles são em outros países: um diferencial na formação de profissionais. Para isso, é necessário o fim dessa obrigatoriedade estabelecida pelo Decreto-lei 972, de 1969, que não foi assinado por nenhum presidente, mas pela junta militar que governou o Brasil com o Congresso Nacional em recesso, e cujo texto não se ampara em nenhuma constituição ou lei, mas somente no AI-5 e no AI-16.

Maurício Tuffani é jornalista especializado em ciência e meio ambiente e editor do blog Laudas Críticas.

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Written by Mauricio Tuffani

domingo, 03/08/2008 at 8:59

O assassinato, o jornalismo e o mito da caverna

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O repórter Marcelo Tavela, do portal Comunique-se, foi à cidade paulista de Porto Ferreira, a 230 km da capital do Estado, e obteve in loco diversas afirmações favoráveis e contrárias à forma de atuação de Luiz Carlos Barbon Filho como jornalista. Sua reportagem “Morte de Barbon mostra promiscuidade entre política e imprensa”, publicada ontem (quarta-feira, 09/05), cita acusações de venda de matérias, extorsões e relações indevidas com políticos, assim como negações dessas práticas e declarações de que ele atuava corretamente como jornalista e de que seu trabalho estava incomodando os donos do poder em sua cidade.

Independentemente da necessidade de se considerar o assassinato de Barbon (ver neste blog o post anterior, “Sindicalistas desqualificam jornalista assassinado”) como um atentado à liberdade de imprensa, a iniciativa do Comunique-se é correta. A verdade sobre Barbon deve se tornar pública, doa a quem doer. No entanto, não dá para tirar uma conclusão definitiva, ainda mais com fontes como essas. Mas dá para perceber que Barbon não deve ter sido nada diferente de milhares de jornalistas devidamente registrados que atuam no país.

Mesmo que tudo o que se disse de negativo sobre Barbon venha a ser comprovado, o assassinato continuará sendo um atentado à imprensa. As acusações que fazem a ele são de infrações éticas que só são passíveis de serem praticadas por quem exerce o jornalismo. Vão agora dizer que Assis Chateaubriand não era jornalista porque tinha outros negócios e achacava? Que milhares de “jornalistas responsáveis” no Brasil não são jornalistas porque alugam seus registros no MTb (hoje MTE, Ministério do Trabalho e Emprego) para donos de jornalecos vagabundos venderem matérias pagas?

Se Barbon tivesse escapado vivo do atentado contra ele, a obrigação de toda a imprensa teria de ser a de solidariedade, mobilização pela apuração do crime e caracterização do ato como atentado à liberdade de imprensa, que é um valor que transcende a pessoa de cada jornalista. Enfim, é um atentado contra todos nós.

Os homens da escopeta calibre 12 e seu mandante teriam feito o que fizeram com qualquer jornalista, independentemente de registro ou diploma. A prática condenável de usar o documento da Fenaj para “dar carteirada” é eficaz em porta de boate e de estádio, mas não funciona com jagunço.

Se tivéssemos dúvidas sobre a integridade de Barbon desde o primeiro momento, o máximo que poderíamos ter dito sobre isso em notas oficiais de entidades jornalísticas é que suspeitas sobre a forma de atuação como jornalista não tiram do assassinato o caráter de atentado à liberdade de imprensa.

É o caso, com certeza, de se apurar a verdade sobre Barbon. Mas isso não muda o que afirmou a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) em sua “Nota Oficial”:

O fato de [a execução] ter sido realizada em local público, de modo premeditado e com extrema violência revela uma tentativa clara de intimidação da imprensa e de impedi-la de cumprir sua obrigação de relatar fatos à sociedade. Exige-se do poder público uma atuação exemplar, com rápida e criteriosa investigação, a fim de que os autores materiais e intelectuais do crime não fiquem impunes. Omitir-se nesse caso é um estímulo à repetição de crimes como esse.

A Abraji reagiu com rapidez porque sabe o que está em jogo. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo rapidamente desqualificaram o crime como atentado à imprensa porque sua verdadeira prioridade é a defesa da espúria regulamentação profissional pelo decreto-lei 972, de 1969, que está suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal.

A liberdade de expressão propugnada por diversos documentos internacionais fundadores dos direitos e garantias fundamentais do cidadão implica também a liberdade de informar (e não estou dizendo “opinar”) e de ter seus próprios meios para fazê-lo. Ninguém pode ser obrigado a esperar por quatro anos para poder exercer essa liberdade se sente a necessidade de fazê-lo em sua comunidade e não encontra canais para isso. Mas a sociedade deve cobrar a forma como essa pessoa vai atuar. E é por isso que existem diversas formas de regulamentação profissional não cerceadoras.

Não estou aqui defendendo o tal do “jornalismo cidadão” nem outras práticas informativas que estão surgindo em decorrência das facilidades trazidas pela internet e pelas novas tecnologias. Isso, assim como muita coisa que vem sendo feita até mesmo por jornalistas profissionais, não tem nada a ver com a função de de mediação, apuração e checagem sob o ethos do jornalismo. “Jornalista cidadão” pode e deve ter seu canal de expressão, mas não é nada mais que um novo tipo de fonte. Se exercer sua atividade sob as condições exigidas pelo ethos de nossa profissão, deverá ser considerado jornalista.

Completamente alheia à realidade da profissão no mundo, nossa “categoria” permanece em uma situação análoga à da alegoria da caverna, de Platão, no Livro VII de sua obra A República: aquele que se liberta das amarras que o obrigavam a imaginar as sombras como realidade e sai da caverna, é imediatamente ofuscado pela luz do sol. Mas, se mantiver os olhos abertos, irá se acostumar com a claridade. Ao voltar para a caverna, preocupado com os antigos companheiros de infortúnio, e contar a todos sobre o que viu, suas palavras não serão compreendidas e o farão correr o risco de ser morto por eles.

Como bem diz meu tio Celso Tuffani, “em terra de cego, quem tem um olho é morto a bengaladas”.

É essa mesma cegueira que faz a Fenaj e o sindicato paulista deixar de considerar o assassinato de Barbon como um atentado à imprensa. Enquanto isso, entidades jornalísticas internacionais, como o CPJ (Comitê de Proteção de Jornalistas) e Repórteres sem Fronteiras, posicionam-se oficialmente pela cobrança da ação das autoridades na apuração desse crime.

Por tudo isso e pelo que tenho dito anteriormente, a nota oficial da Fenaj e do sindicato paulista merece repúdio. E, o que é mais importante, a mobilização em torno desse atentado contra a imprensa precisa ser mantida.

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Written by Mauricio Tuffani

quinta-feira, 10/05/2007 at 13:11

Sindicalistas desqualificam jornalista assassinado

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Não bastasse o fato de ter sido assassinado em circunstâncias associadas às suas reportagens contra abusos sexuais de políticos de Porto Ferreira (SP), que culminaram na condenação em primeira instância de 10 acusados em 2004, o jornalista Luiz Carlos Barbon Filho, agora, mesmo estando morto, está sendo perseguido pela Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas) e pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo.

Justamente no momento em que jornalistas brasileiros e entidades como a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) unem seus esforços para manter a atenção da opinião pública sobre o caso, conseguindo o apoio rápido de outras entidades nacionais, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), e também internacionais, como a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) e o CPJ (Comitê de Proteção de Jornalistas), a Fenaj e o sindicato paulista preferiram desqualificar Barbon como jornalista em uma nota oficial conjunta divulgada ontem (segunda-feira, 07/05). Vejam os termos dessa manifestação:

Luiz Carlos Barbom [sic] Filho, apesar de se auto-intitular jornalista, não o era de fato e de direito. O jornal Realidade, de sua propriedade, foi fechado pois nunca esteve regularizado e Barbom Filho não possuía o registro de jornalista, tendo sido, inclusive, processado por exercício ilegal da profissão. No entanto, esses fatos não justificam nenhum ato de violência contra sua pessoa e tampouco desabonam as denúncias que eventualmente tenha feito contra desmandos de autoridades ou grupos.
(“Nota oficial sobre o assassinato de Luiz Carlos Barbon Filho” e “Colunista é assassinado em SP. Sindicato e FENAJ protestam”)

Este deveria ser um momento de união de esforços. Mas, não. Essas duas entidades sindicais preferem erguer suas bandeiras sectárias e propalar o ranço de sua visão cartorial do que é jornalismo exatamente no momento em que é necessário o apoio de jornalistas e de veículos de comunicação de vários países.

Não foi à toa que o documento “Attacks on the Press — 2001”, do CPJ, relacionou a absurda forma de regulamentação profissional da profissão de jornalista vigente no Brasil ao lado dos processos, prisões, assassinatos e outras agressões à liberdade de imprensa.

Ao ler a nota conjunta das duas entidades sindicais, a impressão que dá é que seus autores devem ter cabulado aulas em seu curso de jornalismo. Parecem que não conseguiram até hoje entender que a imprensa tem justamente a função de “watchdog” diante da omissão do poder público naquilo que é de sua competência. Vejam outro trecho dessa manifestação infeliz:

Para a realização plena dessas condições básicas de liberdade, os jornalistas têm um papel fundamental a cumprir. Isso é óbvio. Mas é doentio pensar que todo cidadão, para poder exercer esses direitos, deva se arvorar à condição de jornalista.

O que os autores dessa nota não conseguem entender é que — exceto no Brasil, na África do Sul, Arábia Saudita, Síria, Equador, Ucrânia, Tunísia, Congo, Croácia, Costa do Marfim e em outros poucos países — a liberdade de expressão entendida também como liberdade de informar, e não apenas como a liberdade de opinião, deve ser desembaraçada de exigências que impeçam qualquer cidadão de exercê-la plenamente.

Vale lembrar o que dizem Bill Kovach e Tom Rosenstiel em Os Elementos do Jornalismo:

A pergunta que as pessoas deviam fazer não é por que alguém se diz jornalista. O ponto importante é se esse alguém está de fato fazendo jornalismo. Será o trabalho o respeito aos princípios da verdade, à lealdade aos cidadãos e à comunidade de modo geral, a informação no lugar da manipulação – conceitos que fazem o jornalismo diferentes das outras formas de comunicação? A implicação importante disso tudo é esta: o significado de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa é que eles pertencem a todos. Mas comunicação e jornalismo não são termos mutáveis. Qualquer um pode ser jornalista, mas nem todos o são. O fator decisivo não é que tenham um passe para entrar e sair dos lugares; o importante está na natureza do trabalho.

[Bill KOVACH & Tom ROSENSTIEL – Os Elementos do Jornalismo: O que os jornalistas devem saber e o que o público deve exigir (Tradução de Wladir Dupont). São Paulo: Geração Editorial, 2003, pág. 151.]

Nessa mesma linha, o professor do Instituto Francês de Imprensa, da Universidade de Paris II, Claude-Jean Bertrand, em A Deontologia das Mídias, de 1997, afirma:

A excepcionalidade de que goza o jornalismo, dentre as instituições democráticas, consiste em que seu poder não repousa num contrato social, numa delegação do povo por eleição ou por nomeação com diploma ou por voto de uma lei impondo normas. Para manter seu prestígio, e sua independência, a mídia precisa compenetrar-se de sua responsabilidade primordial: servir bem à população.
[Claude-Jean BERTRAND – A Deontologia das Mídias (Tradução de Maria Leonor Loureiro). Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1999, págs. 22-23.]

Daria para mostrar ao autores dessa espúria nota oficial dezenas de ensinamentos de consagrados pesquisadores e mestres do jornalismo, mas seria perda de tempo, pois a ética deles em relação ao debate de idéias é a da evasão, sempre sob o argumento de que tudo isso só serve para defender os “interesses dos patrões”.

Mas, para aqueles que vêm claramente o desvio de finalidade que assola nosso sindicalismo, fica a pergunta: por que o jornal Realidade, de Luiz Carlos Barbon Filho, foi fechado justamente no final de 2004? Por que isso ocorreu nesse ano, em que, por causa de suas reportagens, foram condenados os seis vereadores, três empresários e um funcionário público municipal a penas que variam entre 4 e 45 anos de reclusão por corrupção de menores, favorecimento da prostituição e formação de quadrilha ou bando? (“Justiça condena 10 em Porto Ferreira por corrupção de menores”, Consultor Jurídico, 21/4/2004)

Não foram acusações sem fundamento. Apenas oito dos dez condenados foram absolvidos em segunda instância, em outubro de 2005. Poucas das penas aplicadas foram reduzidas, e outras, de até 45 anos de prisão, foram mantidas. (Fernando Porfírio, “Tribunal reduz penas de vereadores de Porto Ferreira”, Consultor Jurídico, 3/10/2005)

Por que, em vez de perseguirem jornalistas como Luiz Carlos Barbon Filho, essas duas entidades sindicais, que dispõem de departamento jurídico e infra-estrutura administrativa, não denunciam a prática descarada de publicação de matérias pagas por parte de centenas de jornalecos vagabundos que existem no Estado de São Paulo? Só porque quase todos eles têm a chancela de um “jornalista responsável” que aluga seu registro profissional, o “MTb”?

“Doentio”, em vez do que afirma essa nota oficial repugnante, é o corporativismo que pisa cegamente sobre o preceito ético profissional de estar sempre ao lado do interesse público. “Doentio”, na verdade, é o desrespeito ao preceito jornalístico de jamais frustrar o debate de idéias. “Doentio” é o limitado horizonte da visão de mundo predominante em nosso sindicalismo, que ignora o que é o jornalismo fora do ridículo círculo das regulamentações profissionais nos países apontados acima. “Doentio”, portanto, é o desvio deontológico que revela outras prioridades neste momento em que deveria prevalecer a união de esforços para esclarecer o assassinato de Luiz Carlos Barbon Filho.

A nota oficial da Fenaj e do sindicato de São Paulo merece repúdio.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 08/05/2007 at 10:20

O STF e o debate abortado pelos jornalistas

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Nem mesmo com as comemorações do Dia Nacional do Jornalista, celebrado em 7 de abril, a sociedade brasileira foi lembrada neste ano sobre a questão da obrigatoriedade da formação superior específica em jornalismo para o exercício dessa profissão. Se depender da vontade da maioria dos contrários e dos favoráveis a essa obrigatoriedade, nenhuma discussão pública será realizada sobre esse tema, que aguarda julgamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal.

Apesar não existir em nenhum país em que o jornalismo tem efetiva importância para a cidadania, no Brasil a exigência do diploma foi estabelecida por meio do decreto-lei 972/1969, mas encontra-se suspensa desde 16 de novembro de 2006 por uma liminar do Supremo Tribunal Federal. Concedida pelo ministro Gilmar Mendes, a liminar teve, cinco dias depois, endosso unânime pela Segunda Turma do STF.

Do lado dos principais defensores desse decreto-lei, a Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas) e os sindicatos a ela associados optaram não só pelo silêncio, mas também pela desinformação, a começar pela omissão da concessão da liminar do STF nas páginas de seus websites destinadas a informar sobre o andamento da questão na Justiça. Até o fechamento deste artigo, essa federação e os sindicatos paulista e o do município do Rio de Janeiro ressaltavam em seus websites o acórdão de 26 de outubro de 2005 da Quarta Turma do Tribunal Federal Regional da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, que foi favorável aos termos do citado decreto-lei.

Nenhuma menção, nessas páginas sindicais de “esclarecimento”, sobre andamentos posteriores ao acórdão, como o recurso extraordinário da Procuradoria Regional da República (07/03/2006) e seu acolhimento pelo vice-presidente do TRF-3 (19/06/2006), nem sobre a ação cautelar do Procurador Geral da República (11/10/2006), muito menos sobre a Portaria nº 22, de 28/02/2007, do Ministério do Trabalho e do Emprego, que determina “às Delegacias Regionais do Trabalho que procedam à suspensão da fiscalização do cumprimento da exigência de diploma de jornalista, referente ao respectivo registro profissional”.

Desinformação e esvaziamento

Mesmo quando esse tema vem momentaneamente à tona por força dos acontecimentos no Judiciário ou no Legislativo, a maior parte dos representantes de ambos os pólos antagônicos tem renunciado ao debate. Como é de se esperar em relação a qualquer assunto polêmico — com o duplo agravante de envolver interesses de classe e da mídia —, a interlocução entre os contrários é praticamente inexistente, as opiniões conflitantes não são confrontadas e cada um dos lados conversa consigo mesmo, com os parceiros de convicção confirmando uns aos outros.

O melhores exemplos desse esvaziamento foram os projetos de lei de criação do CFJ (Conselho Federal de Jornalismo), de autoria do Executivo mas proposto pela Fenaj, e de regulamentação de funções jornalísticas — do ex-deputado Pastor Amarildo, do Tocantins, inicialmente do PSB e posteriormente do PSC, apontado pela CPI da máfia dos sanguessugas e felizmente não reeleito. As duas proposições foram engendradas na surdina pelos sindicalistas e abortadas sem discussão no Legislativo por pressão dos veículos de comunicação (“O cavalo de Tróia e o rolo compressor”, Observatório da Imprensa, 09/09/2004, e “Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ”, Observatório da Imprensa, 28/09/2004).

Tanto por parte de sindicalistas e da maioria dos professores de jornalismo, que elaboram suas propostas em ambientes domesticados e imunes ao questionamento — em que opositores ilustres são convidados a fazer depoimentos perante uma platéia fechada em torno de uma só posição —, como por parte da maioria dos empresários da comunicação e também — não necessariamente subordinados aos donos da mídia — articulistas e colunistas, que em nome da liberdade de expressão acabam promovendo amplas campanhas de massacre dos seus oponentes, o que prevalece é a guerra da desinformação, e muitas vezes com uma grande dose de cinismo.

Selvageria e hostilidade

Do lado favorável à exigência do diploma, é o cinismo daqueles que, diante da enorme desproporção entre a oferta de empregos e a procura de profissionais, causada pela proliferação desenfreada de cursos superiores de jornalismo no Brasil, agem como se ela não fosse estimulada pela obrigatoriedade; daqueles que evocam a formação superior específica como caminho para assegurar a correção ética e a capacitação técnica, mas fazem vista grossa ao crescente despreparo da massa de graduados despejada anualmente no mercado; e daqueles que cientes da ignorância sobre a regulamentação profissional em outros países — predominante entre os graduados nestes 38 anos de vigência do decreto-lei —, agem como se o ensino de jornalismo não tivesse responsabilidade nenhuma sobre isso.

Do lado contrário ao decreto-lei, é o cinismo daqueles que bradam contra o desrespeito dos sindicalistas pelo debate, mas silenciam quando a discussão que ameaçava começar é sumariamente abortada; daqueles que, nos momentos em que o tema da regulamentação profissional vem à tona, aparecem para exibir suas performances argumentativas ao gosto dos patrões, e saem de cena quando a crise acaba, guardando-se como munição para futuras demandas; daqueles que vêem qualquer proposta de regulamentação como atentado contra a liberdade de expressão, mas fazem vista grossa ao sonho de desregulamentação geral por parte dos donos do capital.

Entretanto, também de ambos os lados dessa polêmica, existe uma minoria capaz de abordar o tema com respeito às opiniões contrárias, com disposição para uma efetiva interlocução e com discernimento para buscar uma saída que atenda ao interesse público. Mas, a cada dia que passa, cresce entre esses remanescentes de civilidade o desânimo e a falta de estômago para suportar o antiintelectualismo, a selvageria e a hostilidade das duas “torcidas organizadas” que se instalam em praticamente todas as tentativas de discussão.

O assunto tornou-se, portanto, um vespeiro. Não é de se estranhar que não tenha sido citado nem mesmo en passant entre os temas arrolados no relatório “Mídia e Políticas Públicas de Comunicação”, da Andi (Agência Nacional dos Direitos da Infância), baseado no acompanhamento de 1.184 matérias no período de 2003 a 2005, publicadas em 53 jornais de todos os 23 estados brasileiros e de quatro revistas semanais, que procurou avaliar como se comportam esses veículos “quando os temas em destaque em suas páginas remetem a questões referentes ao próprio universo das comunicações”.

Trâmite na Justiça

Nada disso vai mudar sem que seja forçado um novo marco regulatório. Nada disso vai mudar se for mantida a obrigatoriedade do diploma e o esdrúxulo modelo de registro vigente, na esfera do Estado, nos moldes do decreto-lei 972, de 1969. É preciso atender ao pedido da ação civil pública de 2001, do procurador da República André de Carvalho Ramos: eliminar não só a obrigatoriedade, mas derrubar por completo esse dispositivo cujo texto não teve amparo em nenhuma lei e em nenhuma constituição, mas somente no AI-5 e no AI-16.

Ciente da gravidade dos termos dessa ação civil pública, a juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível Federal de São Paulo, assegurou os direitos envolvidos, mas preferiu não interferir além do necessário na legislação existente, uma vez que havia matéria constitucional a ser apreciada pelo STF. Por essa razão, tanto em sua liminar de outubro de 2001, como em sua sentença de janeiro de 2003, a juíza suspendeu a obrigatoriedade do diploma sem eliminar o registro nas DRTs, e teve a decência de submeter de ofício sua própria decisão à instância superior.

Em seu acórdão de 2005, os desembargadores do TRF-3 desconsideraram solenemente, sem qualquer comentário, manifestações jurídicas contrárias à exigência do diploma feitas por importantes mestres do Direito Administrativo Público, como Geraldo Ataliba, que foram citadas na sentença de Primeira Instância. Desconsideraram também o vexame passado em 1985 pela Justiça da Costa Rica, que foi obrigada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a abolir sua lei que condicionava o exercício da profissão à formação superior específica. E desconsideraram a regulamentação profissional nos Estados Unidos e também na Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, China, Colômbia, Dinamarca Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Peru, Polônia, Reino Unido, Suécia, Suíça e em vários outros países.

Graças à procuradora regional da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, o acórdão teve apelação, que foi acolhida pelo vice-presidente do TRF-3, desembargador Paulo Octávio Baptista Pereira, e pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, que encaminhou sua ação cautelar ao STF. Ao analisar a ação, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha declarou-se impedida — por razões que não foram divulgadas—, e a distribuição do processo foi refeita, cabendo sua relatoria ao ministro Gilmar Mendes. Sua liminar foi apreciada por seus colegas de toga, mas sem a participação do ministro Eros Grau, que anteriormente, como advogado, já havia dado parecer jurídico contrário à constitucionalidade da exigência do diploma pelo decreto-lei 972/1969.

Crise e desafios

No Brasil, ao longo desse trâmite de quase seis anos na Justiça, a quase totalidade dos profissionais de veículos de comunicação, sindicalistas, professores e até mesmo estudantes de jornalismo, em manifestações na imprensa, em blogs, em chats, em grupos de discussão na internet e em fóruns de websites, mostraram o que têm de pior: a superficialidade, a renúncia à verificação e à checagem das informações que recebem, o desinteresse pela contextualização e o desrespeito aos preceitos éticos profissionais de busca do contraditório e de jamais frustrar o livre debate de idéias.

Enquanto isso, em meio às transformações econômicas e tecnológicas globais e suas conseqüências no mundo da comunicação — como a redução drástica da circulação dos jornais e a migração de grande parte da receita publicitária para outras formas de acesso aos consumidores —, estamos assistindo em todo o mundo ao crescente processo de concentração de propriedade dos meios de comunicação, à sua incorporação a conglomerados empresariais sem tradição jornalística e sem compromisso com a informação e às sucessivas eliminações de postos de trabalho de jornalistas como parte das estratégias de minimização de custos.

Nesse processo, caminham a passos largos o aumento da distribuição de conteúdos em detrimento da produção deles, a miscigenação e a promiscuidade da informação com o entretenimento, a decadência da disciplina da verificação e da checagem, a influência cada vez maior das corporações e governos na agenda da imprensa e a pulverização dos valores éticos e de credibilidade que deram origem ao jornalismo e ao seu papel na defesa da cidadania.

Longe de responder aos desafios desse cenário, a concepção da formação superior específica como requisito para a capacitação ao exercício da profissão levou o ensino de jornalismo brasileiro a permanecer refém de uma armadilha conceitual, na forma de uma busca permanente de soluções para problemas viciados e de respostas para questões recorrentes, como mostramos, há quase dois anos, em outro trabalho, que permanece praticamente sem resposta, mas foi considerado no recurso extraordinário da Procuradoria Regional da República em São Paulo (“Diploma de Jornalismo”, Consultor Jurídico, 25/06/2005).

A decisão, finalmente, está nas mãos do STF, apesar de todas as tentativas de debate sobre o assunto terem sido abortadas. Espera-se que o julgamento da ação cautelar da Procuradoria Geral da República seja pautado pela defesa do interesse público, pela diversidade de opiniões sobre o tema, pela contextualização da regulamentação profissional no Brasil e até mesmo pela necessidade de valorizar a formação superior específica em jornalismo, preservando-a do aviltamento inerente a vinculações incompatíveis com o espírito de independência e de universalidade da atividade acadêmica.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 10/04/2007 at 3:24

O CFJ contra-ataca, e com sucesso

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Acaba de ser aprovado no Senado Federal um projeto de lei complementar que altera a classificação das funções de jornalistas. (Ver boletim da Agência Senado, 04/07/2006, 17h50). Ainda não “caiu a ficha” de que esse trâmite silencioso foi, até agora, um bem-sucedido contra-ataque da proposta de criação do famigerado CFJ (Conselho Federal de Jornalismo), idealizada pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), encaminhada em 2004 ao Legislativo pelo Governo Federal e, por ele mesmo, retirada no mesmo ano sob fortes pressões, principalmente de muitos jornalistas e proprietários de veículos de comunicação.

Trata-se do Projeto de Lei nº 79/2004. O dispositivo votado estabelece como privativas de jornalistas, entre outras nos termos do Decreto-lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, as funções de comentarista, coordenador de pesquisa, arquivista-pesquisador, revisor, ilustrador e até a de professor de jornalismo. Sem falar na atividade de assessor de imprensa, que em muitos países exige desincompatibilização com a função de jornalista. Antes de ir ao Senado, essa proposta, de autoria do deputado Pastor Amarildo (PSC-TO), foi aprovada praticamente sem discussões nem emendas na Câmara dos Deputados na sua forma inicial, a do Projeto de Lei nº 708/2003.

O dispositivo que acaba de ser aprovado corresponde, na verdade, a uma parte da proposta de criação do CFJ em sua versão original, de 2002. Essa parte foi suprimida em outubro de 2003, no mesmo ano em que o deputado Pastor Amarildo apresentou seu projeto de lei. Em outras palavras, a proposta do parlamentar permitiu aliviar o conteúdo do anteprojeto do CFJ a ser encaminhado ao Governo Federal para envio ao Congresso — pois a iniciatiiva de leis de criação de autarquias é de competência exclusiva do Executivo.

Em 2004, na terceira versão do anteprojeto do CFJ, elaborada pelo Ministério do Trabalho e do Emprego em parceria com a Fenaj, foi suprimido outro dispositivo polêmico estabelecido pelo Decreto-lei 972/1969: a obrigatoriedade da formação superior específica em jornalismo para o exercício da profissão, que não existe em nenhum dos países em que o jornalismo tem importância para as instituições.

Com a recente aprovação no Senado, a Fenaj e os sindicatos a ela associados lograram um primeiro êxito em sua tática de enxugar ou de tornar menos explícitos os temas mais polêmicos da proposta do CFJ, como apontei em outro artigo, em 2004: controle e fiscalização das empresas jornalísticas, a definição das funções da carreira e a exigência do diploma de jornalismo para ingresso na profissão, e a delicada relação entre a ética profissional dos jornalistas e a atribuição do chamado “poder de polícia” (“Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ”, Observatório da Imprensa, 28/09/2004). A forma com a qual foi retirado da Câmara dos Deputados o projeto de lei do CFJ chocou até mesmo muitos opositores da iniciativa da criação desse órgão. Acreditava-se que, bem ou mal, a colocação desse tema na pauta do Legislativo havia provocado uma discussão que era necessária sobre a regulamentação da profissão de jornalista no Brasil. Acuado pela ferrenha oposição das empresas de comunicação, o governo acabou cedendo às pressões e retirou o projeto.

Se, por um lado, o patronato se mostrou intransigentemente disposto a matar o problema sem discussão, por outro lado, os sindicalistas também deixaram claro mais uma vez que não se incomodam em apelar para a astúcia em detrimento do debate.

Ironicamente, no antagonismo entre capital e trabalho ao sul do equador, o lado sindical atua para revigorar um decreto-lei que, não bastasse ser considerado por eminentes juristas como não recepcionado pela Constituição de 1988, também não se fundamenta em nenhuma lei, mas apenas no AI-5 e no AI-16, e também não foi assinado por nenhum presidente, mas somente pela junta militar que governou o país.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 04/07/2006 at 22:03