Laudas Críticas

O CFJ contra-ataca, e com sucesso

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Acaba de ser aprovado no Senado Federal um projeto de lei complementar que altera a classificação das funções de jornalistas. (Ver boletim da Agência Senado, 04/07/2006, 17h50). Ainda não “caiu a ficha” de que esse trâmite silencioso foi, até agora, um bem-sucedido contra-ataque da proposta de criação do famigerado CFJ (Conselho Federal de Jornalismo), idealizada pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), encaminhada em 2004 ao Legislativo pelo Governo Federal e, por ele mesmo, retirada no mesmo ano sob fortes pressões, principalmente de muitos jornalistas e proprietários de veículos de comunicação.

Trata-se do Projeto de Lei nº 79/2004. O dispositivo votado estabelece como privativas de jornalistas, entre outras nos termos do Decreto-lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, as funções de comentarista, coordenador de pesquisa, arquivista-pesquisador, revisor, ilustrador e até a de professor de jornalismo. Sem falar na atividade de assessor de imprensa, que em muitos países exige desincompatibilização com a função de jornalista. Antes de ir ao Senado, essa proposta, de autoria do deputado Pastor Amarildo (PSC-TO), foi aprovada praticamente sem discussões nem emendas na Câmara dos Deputados na sua forma inicial, a do Projeto de Lei nº 708/2003.

O dispositivo que acaba de ser aprovado corresponde, na verdade, a uma parte da proposta de criação do CFJ em sua versão original, de 2002. Essa parte foi suprimida em outubro de 2003, no mesmo ano em que o deputado Pastor Amarildo apresentou seu projeto de lei. Em outras palavras, a proposta do parlamentar permitiu aliviar o conteúdo do anteprojeto do CFJ a ser encaminhado ao Governo Federal para envio ao Congresso — pois a iniciatiiva de leis de criação de autarquias é de competência exclusiva do Executivo.

Em 2004, na terceira versão do anteprojeto do CFJ, elaborada pelo Ministério do Trabalho e do Emprego em parceria com a Fenaj, foi suprimido outro dispositivo polêmico estabelecido pelo Decreto-lei 972/1969: a obrigatoriedade da formação superior específica em jornalismo para o exercício da profissão, que não existe em nenhum dos países em que o jornalismo tem importância para as instituições.

Com a recente aprovação no Senado, a Fenaj e os sindicatos a ela associados lograram um primeiro êxito em sua tática de enxugar ou de tornar menos explícitos os temas mais polêmicos da proposta do CFJ, como apontei em outro artigo, em 2004: controle e fiscalização das empresas jornalísticas, a definição das funções da carreira e a exigência do diploma de jornalismo para ingresso na profissão, e a delicada relação entre a ética profissional dos jornalistas e a atribuição do chamado “poder de polícia” (“Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ”, Observatório da Imprensa, 28/09/2004). A forma com a qual foi retirado da Câmara dos Deputados o projeto de lei do CFJ chocou até mesmo muitos opositores da iniciativa da criação desse órgão. Acreditava-se que, bem ou mal, a colocação desse tema na pauta do Legislativo havia provocado uma discussão que era necessária sobre a regulamentação da profissão de jornalista no Brasil. Acuado pela ferrenha oposição das empresas de comunicação, o governo acabou cedendo às pressões e retirou o projeto.

Se, por um lado, o patronato se mostrou intransigentemente disposto a matar o problema sem discussão, por outro lado, os sindicalistas também deixaram claro mais uma vez que não se incomodam em apelar para a astúcia em detrimento do debate.

Ironicamente, no antagonismo entre capital e trabalho ao sul do equador, o lado sindical atua para revigorar um decreto-lei que, não bastasse ser considerado por eminentes juristas como não recepcionado pela Constituição de 1988, também não se fundamenta em nenhuma lei, mas apenas no AI-5 e no AI-16, e também não foi assinado por nenhum presidente, mas somente pela junta militar que governou o país.

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Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 04/07/2006 às 22:03

9 Respostas

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  1. Caro, a nova redação é fascista. Um horror. O que você acha que vai acontecer? Isso passa na Casa Civil?

    cláudio

    quarta-feira, 05/07/2006 at 20:30

  2. [Deletei meu post anterior por causa de erros feios de digitação.]

    Caríssimo, sem querer fazer piada, acho que você está sendo injusto com os fascistas. Digo isso por me lembrar da tese de doutorado de José Chasin na FFLCH-USP, lá por volta de 1980, na qual ele argumentou que o integralismo não era fascismo. Segundo ele, o fascismo era uma alternativa de solucionar o acirramento do conflito entre o capital e o trabalho sem romper a estrutura de poder vigente em nações que se encontravam atrasadas diante do processo de expansão do capitalismo monopolista e imperialista. Isso quer dizer que os regimes de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar foram, para usar o jargão marxista, alternativas de solução de uma situação historicamente determinada. Eram alternativas reacionárias, mas tinham, cada uma a seu modo, uma finalidade prática. Chasin disse que o integralismo, por outro lado, não tinha finalidade prática nenhuma, era só retórica, era puro saudosismo, queria voltar a roda da História para trás. Não que eu concorde totalmente com a análise dele, mas acho que a comparação serve muito bem para o PLC teleguiado pela FENAJ: ele está muito mais para o integralismo do que para o fascismo, pois não serve para porcaria nenhuma, a não ser para incensar o mantra coletivo do curral de opiniões domesticadas do jornalismo brasileiro, que permanece imune à comparação com a regulamentação da profissão no mundo. É reacionário e, ainda por cima, não serve para nada.

    Quanto ao governo sancionar essa palhaçada, deve ser outra história, porque cartamente haverá reação e este é um ano de eleição. Curiosamente, o boletim da Agência Câmara de ontem às 17h50 dizia que o PLC retornaria à Câmara porque teria havido alterações. Hoje, no entanto, o texto foi alterado, e o que consta é que segue para sanção.

    Maurício Tuffani

    quarta-feira, 05/07/2006 at 22:31

  3. COMENTÁRIO RECUSADO POR ENGANO

    Peço desculpas à Elaine, que enviou o cometário abaixo, mas que foi deletado por mim por distração. Felizmente consegui recuperar seu conteúdo. Atenciosamente, Maurício Tuffani

    Ué, até onde eu saiba a função de arquivista-pesquisador era função do pessoal de Biblioteconomia?!?!?!?!? A cada dia eu acredito mais naquela velha máxima, “Médico pensa que é Deus, jornalista tem certeza…” Esse projeto é absurdo!!! Sem falar de que agora é bandeira de luta da Fenaj que jornalismo saia da área de Comunicação Social e seja um curso a parte… Ê povinho pretensioso!!!

    Elaine

    quinta-feira, 06/07/2006 at 1:43

  4. Sim, concordo. O integralismo era uma espécie de apropriação estética e semântica do fascismo/nazismo, mas oco de conteúdo, até porque o contexto sócio-econômico do Brasil não tinha nada a ver com os da Alemanha e Itália sob Hitler e Mussolini. Seria, assim uma idéia fora de lugar. Como é o caso da PLC. Aliás, que coisa patética aliciar um deputado do subsolo da Câmara, de um partido medíocre, ambos sem nenhuma importância, para fazer o serviço sujo… Coisa de gentalha mesmo!

    cláudio

    quinta-feira, 06/07/2006 at 17:44

  5. Como aprovar mudanças num decreto-lei que está sub judice? É isso que eu não entendo.

    Fábio Mello

    sexta-feira, 07/07/2006 at 10:39

  6. Quero apenas comentar que se trata de mais uma autarquia publica de “direito privado” sendo instituida “guela-abaixo” aos jornalistas, como forma de censura.
    Ou seja, é uma censura disfarçada, implantada não se sabe por quem (segundo um pouco do que já li e vi parece-me, querer ser instituida por um órgão que nã tem nada a ver com o jornalismo – isso mesmo, veja que se trata da terceira versão do anteprojeto do CFJ, elaborada pelo “Ministério do Trabalho e do Emprego????!!!!” em parceria com a “Fenaj”.
    Esses órgãos de classe censuram a tudo e a todos, não se sabe porque, pois até hoje ainda não estão definidos por leis (talvez seja isso).
    É só verificar a novela que vinha sendo travada perante o Supremo Tribunal Federal, desde que foi editada a Lei nr.9649/88, cujo artigo 58, foi declarada inconstitucional mediante ação direta de inconstitucionalidade.
    o Tema em voga também vem sendo tratado por entidades cujo tema é o papel legal (conduta) desses conselhos/ordens. Quer um exemplo: “O deputado Rosinha, autor de um projeto de lei pede a extinção da ordem dos Músicos, levantado a polêmica em torno do tema, questionado o verdadeiro papel dos Conselhos”.
    A bem da verdade é que não há transparência em suas administrações.
    Portanto, colegas, apesar de não ser da área de jornalismo, preparem-se ao que vem por vir.

    aureo luiz
    marília-SP

    alconver

    sábado, 15/07/2006 at 22:13

  7. Ô, Maurício. A fila já andou, tem novidade no pedaço, que tal atualizar o assunto?
    abraço

    Anonymous

    quarta-feira, 26/07/2006 at 11:09

  8. Prezado anônimo, agradeço sinceramente por sua atenção e por seu tempo, mas este blog não tem por objetivo dar notícias nem reagir pontualmente a elas. O blogueiro não entra em filas, mesmo correndo o risco de ficar para trás, pois prefere ver como a multidão se comporta do que trilhar os mesmos caminhos percorridos por ela. O objetivo aqui é levantar questões de fundo. O último texto tem links para artigos que abordam questionamentos que não estão sendo levados em conta. Portanto, tanto faz o presidente sancionar o PLC 79/2004, vetá-lo parcial ou totalmente, se a polêmica não passou do nível da desinformação promovida pela quase totalidade dos oponentes. Cordialmente, Maurício Tuffani.

    Maurício Tuffani

    quarta-feira, 26/07/2006 at 12:20

  9. Está certo, caro Maurício.Entendi perfeitamente sua posição e a do blog, porém o veto integral do presidente ao tal projeto não passou despercebido. Muitos colegas deram um pitaco (certeiro)sobre o assunto e apontaram o Pacto de São José da Costa Rica, como foi o caso de Celso Lafer.

    Anonymous

    quinta-feira, 27/07/2006 at 11:22


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