Laudas Críticas

Archive for the ‘Pesquisa’ Category

Projeto de lei para células-tronco será desarquivado

Um projeto de lei proposto no ano passado para destinar recursos à pesquisa com células-tronco será  automaticamente arquivado neste sábado, dia 31, em que termina a legislatura iniciada há quatro anos, como prevê o regimento da Câmara dos Deputados. Mas a proposta será desarquivada nos próximos dias

Mais informações em meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

sábado, 31/01/2015 at 8:46

‘Doutores mal treinados formam novos doutores’

Um dos mais renomados bioquímicos do Brasil, Lewis Joel Greene, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, chamou a atenção para avaliar a influência dos rumos da pós-graduação do país no quadro de estagnação da qualidade da produção científica brasileira, apesar do seu crescimento quantitativo.

Mais informações em meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 27/01/2015 at 16:36

Receita de sucesso acadêmico para intelectos preguiçosos

O lógico e matemático Adonai Sant’Anna, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), publicou ontem em seu blog dois posts sobre assuntos altamente intrigantes. Um deles trata de uma questão crítica no âmbito da física, mas deixarei para comentar depois esse tema. Hoje quero apenas repercutir o outro post, “Conquistando respeito acadêmico sem esforço”.

Mais informações em meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

domingo, 28/12/2014 at 9:54

Delator de fraude na USP diz sofrer retaliação

O veterinário Paulo Henrique Mazza Rodrigues, professor da USP de Pirassununga, comunicou em maio do ano passado à comissão de ética da universidade que estaria sofrendo retaliações por ter colaborado em uma denúncia de fraude científica.

Mais informações em minha reportagem na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 05/12/2014 at 13:23

SBPC questiona MEC por dar R$ 247 milhões a projeto de Nicolelis

A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) enviou ofício ao MEC (Ministério da Educação) solicitando esclarecimentos sobre os critérios adotados pelo órgão para firmar o contrato de gestão no valor de R$ 247 milhões para a implantação do Campus do Cérebro em Macaíba (RN), projetado pelo neurocientista Miguel Nicolelis, professor de neurobiologia da Universidade Duke (EUA) e pesquisador do IINN (Instituto Internacional de Neurociências de Natal).

Mais informações em meu blog na Folha de S. Paulo.

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terça-feira, 02/12/2014 at 5:52

A pesquisa no Brasil e em SP (parte 2)

Este é o segundo de três posts em complemento a minha reportagem “Produção científica no Brasil fica menos concentrada em SP”, publicada pela Folha ontem (segunda-feira, 13.out), quando postei também o primeiro, “A pesquisa no Brasil e em SP (parte 1)”.

Hoje apresento todos os números correspondentes ao gráfico da quantidade de artigos científicos publicados de 1981 a 2013 pela Unesp, Unicamp e USP, comparando-os com a produção de todo o Brasil. O tema diz respeito a aspectos relevantes sobre a atual crise dessas universidades.

Mais informações em meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 14/10/2014 at 10:03

A pesquisa no Brasil e em SP (parte 1)

A Folha publicou nesta segunda-feira (13.out) minha reportagem “Produção científica no Brasil fica menos concentrada em SP”. É a primeira vez que a imprensa apresenta dados comparativos da quantidade e da qualidade da publicação de artigos científicos anualmente de 1981 a 2013 de todo o Brasil e das três universidades estaduais paulistas, que são a USP, Unicamp e Unesp.

Mais informações em meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

segunda-feira, 13/10/2014 at 6:48

O agosto mais quente desde 1880 e o aquecimento global

Quadro com variações da temperatura média combinada das superfícies de solos e mares de agosto deste ano em relação às do período 1981-2010 para o mesmo mês. As áreas em cinza não foram computadas. Imagem: Noaa/Divulgação

Quadro com variações em graus Celsius da temperatura média combinada das superfícies de solos e mares de agosto deste ano em relação às do período 1981-2010 para o mesmo mês. As áreas em cinza não foram computadas. Imagem: Noaa/Divulgação

A temperatura média mundial combinada das superfícies dos solos e dos mares em agosto deste ano, que foi de 16,35° C , foi a maior já registrada para esse mês nos últimos 134 anos, informou ontem (quinta-feira, 18.set) a Noaa (Agência Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos).

Mais informações em meu blog na Folha de S. Paulo.

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sexta-feira, 19/09/2014 at 12:24

Newton da Costa e a lógica da liberdade

O matemático brasileiro Newton da Costa, em foto de 1973, em Berkeley, nos Estados Unidos. Imagem: George M. Bergman/Berkeley

O matemático brasileiro Newton da Costa, em foto de 1973, em Berkeley, nos Estados Unidos. Imagem: George M. Bergman/Berkeley

Nesta terça-feira, 16 de setembro, completa 85 anos de idade um dos matemáticos brasileiros de maior projeção internacional, o curitibano Newton Carneiro Affonso da Costa. Desenvolvidos no início dos anos 1950, seus primeiros trabalhos resultaram na elaboração de um novo capítulo na história da lógica, trazendo desdobramentos não só para a matemática, mas também para outras ciência, como a física, a economia, a computação, além da própria filosofia.

O Brasil mal o conhece, mas ele nunca desperdiçou seu tempo pensando nisso.

Mais informações em meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 16/09/2014 at 14:46

‘Errinho’ anula estudo chinês sobre aneurisma

Imagem: Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos

Imagem: Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos

Ao pesquisarem um tratamento experimental para aneurisma na parte da aorta abdominal abaixo dos rins, quatro médicos chineses usaram imagens e dados da parte superior dessa artéria no estudo que publicaram em novembro de 2013. Por isso, o artigo teve de ser retirado, informou o atento blog norte-americano “Retraction Watch”.

Leia o post em meu blog no site da Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 22/08/2014 at 14:49

Alimentação influencia relógio biológico, diz estudo japonês

"Petit dejeuner", by Rama

“Petit dejeuner”, by Rama

Além de prover nutrientes, água e energia para os seres vivos, a alimentação também atua na regulação do ritmo biológico dos organismos, concluiu um estudo realizado no Japão, a ser publicado na edição deste mês da revista científica norte-americana “Cell”.

Leia a reportagem completa no site da Folha de S. Paulo.

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sábado, 19/07/2014 at 8:43

Publicado em Ciência, Pesquisa

Franceses republicam estudo sobre milho transgênico acusado de falhas

ESEQuase dois anos após relatarem mortes e danos em rins, fígado e glândula pituitária e tumores cancerígenos de ratos alimentados com milho transgênico em um estudo que depois foi retratado devido a falhas de método, pesquisadores franceses divulgaram na terça-feira (24) um novo artigo sobre o trabalho.

Leiam minha reportagem no site da Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

segunda-feira, 30/06/2014 at 9:51

Quem não somos nós?

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Diferentemente dos neandertais, somos uma espécie quase incapaz de ver sem atribuir significados automaticamente ao que vemos, ou seja, com muita dificuldade de nos manter no estado mental semelhante ao que buscam os adeptos de diferentes formas de meditação.

Leia o post completo no meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 20/06/2014 at 18:37

Um índice de erros, plágios e fraudes na ciência

Capas de alguns dos periódicos classificados entre os de maior impacto na comunidade científica (Imagem: reprodução)

Capas de alguns dos periódicos classificados entre os de maior impacto na comunidade científica (Imagem: reprodução)

Está de volta mais uma vez a ideia de criar um índice para medir e ajudar a avaliar em cada revista científica as ocorrências de retratações de artigos, sejam elas devidas a erros, plágios ou até fraudes. No final de maio, três cientistas europeus retomaram juntos essa proposta em seu paper “Erros na ciência: o papel dos revisores”, publicado no periódico “Trends in Ecology & Evolution”, editado nos Estados Unidos.

Leia o post completo em meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

sexta-feira, 13/06/2014 at 15:29

Código Florestal anistia 58% de áreas devastadas, diz Science

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Queimada em São Félix do Xingu, no Pará (Foto de Valter Campanato/Agência Brasil)

O impacto das alterações vigentes a partir de maio de 2012 no Código Florestal brasileiro, que comentei na semana passada, é assunto de uma pesquisa publicada na edição desta semana da revista Science, que é editada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência.

Estabelecida pela nova lei, a anistia da obrigação de proprietários de imóveis rurais restaurarem áreas em que houve desmatamentos ilegais até 2008 reduziu de 5o milhões para 21 milhões de hectares, ou seja, em 58%, a extensão total da superficie a ser recuperada.

Liderada por Britaldo Soares Filho e Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisa teve a participação de cientistas do Woods Hole Research Center, dos Estados Unidos.

Mais informações sobre esse estudo estão em

Cientistas ‘despublicam’ artigo e alegam que o motivo foi ‘negócios’

Cristal de carbeto de silício do Laboratório de Materiais de Grenoble, França (Foto: David Monniaux sob licença livre Wikimedia Commons)

Cristal de carbeto de silício do Laboratório de Materiais de Grenoble, França (Foto: David Monniaux, sob licença livre Wikimedia Commons)

A explicação dada por cinco pesquisadores japoneses ao recolherem um trabalho científico que eles haviam publicado em dezembro certamente deve ter provocado comparações com uma famosa conversa do filme “O Poderoso Chefão” (1972). Na nota em que anuncia a remoção de seu site do estudo sobre um composto de silício, a revista Journal of Chrystal Growth afirma que a razão do pedido dos autores para a retirada foi uma decisão de negócios (“business decision”) de seu patrão.

Associadas ao constrangimento que há em toda retratação científica, essas palavras lembram, como piada pronta, a explicação do mafioso Solozzo ao jovem Michael Corleone, por ter matado seu pai, Don Corleone: “I am sorry. What happened to your father was business.” (Sinto muito. O que aconteceu com seu pai foi negócio.)

Leia o post completo em meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

quinta-feira, 24/04/2014 at 16:35

O ‘Brasil improdutivo’ e seu bloqueio na inovação

Engarrafamento na Marginal do Tietê, em São Paulo (Imagem: Alexandre Moreira/FolhaPress)

Desde a semana passada não faltaram na imprensa e nas redes sociais manifestações de indignação discordantes e lições de moral concordantes sobre as afirmações “brasileiros são gloriosamente improdutivos” e “para que a economia cresça, eles devem pular fora de sua letargia”, da revista britânica “The Economist”. Em meio às reações à reportagem “50 anos de soneca”, que destacou engarrafamentos, longas filas, prazos não cumpridos e atrasos, pouca atenção foi dada a um fator que se torna cada vez mais crucial para o desenvolvimento econômico: a inovação, atividade em que o desempenho do Brasil tem sido inferior ao de outros países latino-americanos e caribenhos.

Leia o post completo no meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 22/04/2014 at 22:10

Tiradentes, as prostitutas e a Inconfidência

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Aurélio de Figueiredo, "Martírio de Tiradentes"

Aurélio de Figueiredo, “Martírio de Tiradentes”

“Tiradentes, as prostitutas e outra história do herói da Inconfidência Mineira” é o título do artigo de André Figueiredo Rodrigues, professor do Departamento de História do campus de Assis da Unesp e autor de “A fortuna dos inconfidentes: caminhos e descaminhos dos bens de conjurados mineiros, 1760-1850”. Nesse artigo ele conta que em Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto, um dos assíduos frequentadores dos bordéis era o alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido entre nós pelo apelido de Tiradentes, que, após longas bebedeiras e contatos amorosos, divulgava ideias de que se planejava uma revolta contra o poder de Portugal na região de Minas Gerais.

Leiam o artigo “Tiradentes, as prostitutas e outra história do herói da Inconfidência Mineira” no blog História Hoje.

Written by Mauricio Tuffani

segunda-feira, 21/04/2014 at 23:08

Subsídios críticos para o trabalho da imprensa em desastres ambientais

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Um estudo publicado já há alguns meses traz subsídios críticos importantes para o trabalho de jornalistas na cobertura de acontecimentos relacionados a eventos geradores de graves prejuízos para o meio ambiente e para a saúde humana.

Apesar de sua análise ter sido restrita a um único caso — a mortandade de peixes, crustáceos e outros animais em um estuário na região de Natal (RN) em julho de 2007 —, o artigo “Desafios da divulgação científica em cobertura jornalística de desastre ambiental” aponta problemas com o uso de termos científicos e com o tratamento de informações relacionadas a eles.

Termos técnicos

O trabalho foi publicado na revista Ciência & Educação, editada pela Faculdade de Ciências do campus da Unesp em Bauru, por Luiz Fernando Dal Pian, da Escola de Comunicações e Artes da USP, e Daniel Durante Pereira Alves, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O dois pesquisadores analisaram o uso dos termos “metais pesados”, “amônia”, “metabissulfito de sódio”, “demanda bioquímica de oxigênio”, “eutrofização” e “demanda química de oxigênio” em 34 textos publicados entre a última semana de julho de 2007 e a última semana do mês seguinte. Entre outras conclusões, os autores apontaram a seguinte.

A análise de conteúdo jornalístico identificou o tratamento um tanto precário dos conceitos científicos capazes de fundamentar os reais motivos relacionados à mortandade de toneladas de fauna aquática, contribuindo pouco para a formação e educação ambiental dos leitores.

Confronto de acusações

Dal Pian e Alves observaram que as autoridades atribuíram a mortandade de seres vivos a fatores naturais, mas, posteriormente o laudo técnico preliminar do órgão estadual de meio ambiente chegou a outra conclusão. Desse modo,

A partir de então, os acontecimentos construídos pela cobertura da mídia impressa expuseram o confronto de acusações entre os diversos atores envolvidos e suas diferentes versões, cumprindo, assim, com um dos deveres éticos do jornalismo, que é o de buscar uma diversidade de fontes. No entanto, em casos como esses, em que diversas instituições participam das apurações e em que as provas de sustentação de causalidade e de culpabilidade são construídas ao longo do tempo, os jornalistas deveriam recorrer mais às suas ferramentas investigativas, ouvir novas fontes, levantar novas evidências e comparar os laudos emitidos. Ou seja, qualificar a apuração ao longo do tempo, ser mais proativos na busca por explicações causais e recolocar o assunto na pauta jornalística.

Cientistas e jornalistas

O assunto instiga várias possibilidades de discussão. A preferida de grande parte dos cientistas é sobre a qualidade da tradução da linguagem especializada para a linguagem do público em geral. Isso é importante, mas o trabalho do jornalista não se restringe a fazer essa tradução; ele inclui também abordar criticamente as versões das fontes especializadas. Felizmente Luiz Fernando Dal Pian e Daniel Durante Pereira Alves foram devidamente atentos a isso em seu estudo.

De minha parte, essa pesquisa reforça uma das conclusões de um estudo que produzi há alguns anos: a questão crucial do jornalismo na área de ciência acabou por se tornar a mesma do jornalismo em geral neste neste início de século: o essencial não é saber se os jornais vão desaparecer, nem se os profissionais de imprensa serão todos terceirizados, mas se a função do jornalista deixará de ser a produção da informação para se restringir ao mero gerenciamento dela.

Autores admitem fraude em estudo que serviu de argumento contra células-tronco

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Volume 146, Issue 3, p359–371, 5 August 2011Na semana passada, a prestigiada revista científica norte-americana Cell reconheceu oficialmente que houve fraude em um estudo publicado em sua edição de 5 de agosto de 2011. Na época, as conclusões desse trabalho foram usadas como argumento contra a necessidade de pesquisas com células-tronco embrionárias humanas (CTEHs).

O artigo da pesquisa coordenada por Liang Qiang, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, anunciou a obtenção de neurônios a partir de células da pele de pacientes portadores de Alzheimer.

Desse modo, o estudo apontava para o desenvolvimento de terapias para essa e outras doenças neurológicas crônicas dispensando o uso de CTEHs, que tem sido contestado por argumentos baseados na comparação desse tipo de pesquisa com abortos. (Ver reportagem “Cientistas produzem neurônios a partir de células de pele humana“, do G1.)

Manipulação indevida

A retratação publicada na Cell citou nominalmente um dos membros da equipe como responsável pela manipulação indevida de células usadas no trabalho:

Também apresentamos análises moleculares de células com marcadores associados a Alzheimer. O Dr. Ryousuke Fujita, que foi responsável especificamente e apenas pelas análises moleculares da patologia de Alzheimer associada, reconheceu não só ter manipulado inapropriadamente painéis de imagens e seus dados, mas também ter distorcido o número de repetições realizadas (…) Estamos no processo de repetir essas análises. Considerando esses resultados, acreditamos que a linha de ação mais apropriada é recolher o paper. Lamentamos profundamente esta circunstância e pedimos desculpas para a comunidade.

Caronas indevidas

Ao ler o post do dia 11 do blog Retraction Watch  sobre a retratação, lembrei-me desse estudo, mas muito mais em função de ele ter sido usado como argumento contra as pesquisas com CTEHs. Inclusive no Congresso Nacional, onde o deputado Henrique Afonso (PV-AC), na época integrante da bancada do PT, fez um pronunciamento em plenário. Referindo-se a essa pesquisa e à votação da Lei de Biossegurança, o parlamentar proclamou sua

alegria ao descobrir que estava certo o tempo todo em não votar a favor da manipulação das células embrionárias. Quero registrar que valeu a pena ser tachado de religioso, fanático, retrógrado.

Na verdade, este Parlamentar estava, em todo o momento, apenas defendo a vida e combatendo uma crueldade desnecessária.

Divido esta minha alegria com todos os demais Deputados que também votaram contra o tema, especialmente com os membros da Frente Parlamentar Evangélica que resistiram a todas as pressões e críticas e não fugiram de suas convicções.

Isso deve servir de alerta, entre os inimigos da pesquisa de células-tronco, para aqueles que ficam de plantão à espera de novidades da ciência aparentemente úteis como munição. Não se deve ir com muita sede aos potes que surgem pelo caminho, pois sua água pode estar contaminada. Na verdade, o alerta vale para todos os que apelam para o vale-tudo em diversos tipos de cruzadas, inclusive fora do âmbito da ciência.

 

As células-tronco e a saia justa do Parlamento Europeu

@European Union 2013 - European Parliament

Lideradas pela fundação britânica Wellcome Trust, 35 associações de instituições pesquisa europeias divulgaram nota na quarta-feira (9.abr) em protesto contra uma iniciativa de lei que prevê a proibição do financiamento público da pesquisa de células embrionárias humanas.

As entidades afirmam que haverá sérios prejuízos para o desenvolvimento de novos tratamentos para câncer, diabetes e outras doenças crônicas se for aprovada a proposta da campanha Um de Nós, que obteve mais de 1,7 milhão de assinaturas em todos os 28 países da União Europeia (UE).

Leia o post completo no meu blog na Folha de S. Paulo.

Written by Mauricio Tuffani

sábado, 12/04/2014 at 8:43

Brasil ganha elogio na estreia de ‘Anos para Viver Perigosamente’

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Estrelada por Harrison Ford e Don Cheadle, a série “Anos para Viver Perigosamente“, cujo tema central é o aquecimento global, será lançada pelo ShowTime domingo (13.abr), mesmo dia em que será divulgado o próximo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). Nesse primeiro episódio, o Brasil não só fica fora da pancadaria que tradicionalmente tem recebido por causa da devastação da Amazônia, mas também é apontado por cientistas da Nasa como o país que mais tem reduzido os desmatamentos.

Criada por Joel Bach e David Gelber, produtores do telejornal norte-americano 60 Minutos, a série tem em sua produção Arnold Schwarzennegger e James Cameron, diretor e autor de “Titanic” e “Avatar”. Para os episódios seguintes estão previstas as participações, como entrevistadores, de Matt Damon, Jessica Alba e outros astros de Hollywood.

Documentário

“Viemos com a ideia de fazer uma série de documentários no modelo do 60 Minutos“, declarou Gelber em entrevista anteontem ao Sun Herald, na qual afirmou também que ele e Bach, seu sócio na criação do novo programa, acreditam que a mudança climática é a história mais importante desta geração, mas está recebendo pouca atenção da mídia.

O primeiro episódio está disponível com closed caption original no YouTube no vídeo a seguir. E um preview do segundo, com a participação de Ian Somerhalder, galã da série “The Vampire Diaries”, também já pode ser acessado.

Secas e desmatamentos

A irrupcão e o agravamento das secas em diversas regiões do mundo como consequências do aquecimento global é o assunto central do primeiro episódio, que tem início em pleno Vale do Silício, na Califórnia. Lá, no Centro de Pesquisas Ames, da Nasa, em Mountain View, Harrison Ford pega carona em um jato em missão de coleta de amostras de ar em altitudes de alguns quilômetros. Em seguida, o ator-entrevistador conversa com cientistas da Divisão de Supercomputação Avançada da agência espacial.

Depois de receber explicações sobre a conexão entre as secas e o aumento da temperatura média global por meio das crescentes emissões de dióxido de carbono e metano, Ford ouve do indiano “Rama” Nemani, diretor do Laboratório de Previsão Ecológica da Nasa, que 20% desses gases lançados à atmosfera vêm de desmatamentos.

Texas, Síria e Indonésia

“O melhor país em termos da redução de desmatamentos tem sido o Brasil”, afirma para Ford o geógrafo Mathew Hansen, da Universidade de Maryland, que acrescenta ser a Indonésia o pior dos maus exemplos no combate ao desflorestamento. A partir daí o entrevistador segue para o Sudeste Asiático para constatar in loco que a derrubada de florestas tropicais acontece em grandes proporções até mesmo dentro de grandes parques nacionais, envolvendo a extração de óleo de palma para a fabricação de xampus e outros produtos de limpeza pessoal.

Na Indonésia, Ford reporta os desmatamentos seguidos de queimadas e suas enormes emissões de gases estufa. Don Cheadle visita diversas comunidades arrasadas economicamente pela estiagem no Texas. E Thomas Friedman, repórter do New York Times, vai ao Oriente Médio para compreender o agravamento das causas da guerra civil na Síria pelas secas.

Paro de antecipar informações por aqui, pois detalhes sobre o que já foi dito seriam spoilers. O que importa, desde já, é observar que, apesar de ter o mesmo propósito, “Anos para Viver Perigosamente” com seu formato não deverá ser, para o público menos engajado, tão chato quanto “Uma Verdade Incoveniente”. O ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, por sua iniciativa de fazer o filme e de nele participar ganhou o apelido de “Al Bore” (algo como “Al Maçante”).

Vamos com calma

Por mais justa que seja a menção ao Brasil nesse primeiro episódio como bom exemplo no combate ao desmatamento, não dá para deixar de lado que nosso país já foi longe demais na tolerância à destruição de nossas florestas. Em fevereiro, poucos dias depois do anúncio do Ministério do Meio Ambiente da redução dos desmatamentos na Amazônia brasileira, este mesmo blog mostrou que a extensão da devastação acumulada nessa região passou de 377,6 mil km2 em 1988 para 759,2 mil km2 em 2013.

Essa superfície já desmatada corresponde aproximadamente à metade de todo o estado do Amazonas, que é de 1,57 milhão de quilômetros quadrados). Equivale também ao triplo da área do estado de São Paulo (248,2 mil km2), que é pouco maior que a do Reino Unido (243,1 mil km2). Antes que comecem a soltar rojão pegando carona no primeiro episódio da série, vale lembrar esses outros números do post “Amazônia desmatada é o triplo da área de SP” (25.fev).

 

 

 

Imprensa começa a destacar impactos ambientais da seca em SP

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Em suas edições deste domingo (6.abr), os jornais O Estado de S. Paulo e Diário da Região, de São José do Rio Preto, mostram um aspecto que estava demorando para começar a ser abordado pela imprensa, que é o impacto ambiental da redução do volume de água de nascentes, rios e reservatórios e sua relação com as políticas de recursos hídricos e de uso e ocupação do solo.

O Estadão, com a reportagem “Volume morto do sistema Cantareira ameaça espécies de extinção“, de Rodrigo Brandt, destacou previsões de especialistas para as consequências do uso, por meio de bombeamento, do chamado volume morto dos sistema Cantareira, que faz parte da estratégia do governo do estado de São Paulo para abastecer a população da Grande São Paulo e de muitos outros municípios. Na avaliação dos pesquisadores ouvidos pelo repórter,

Peixes vão desaparecer, aves e outros animais migrarão. Esses e demais organismos vivos do bioma passarão por transformações biológicas e comportamentais, provocadas pela seca severa fora de época do verão de 2014. Problema que será potencializado com a captação do volume morto do Cantareira. Num efeito em cascata, toda cadeia alimentar das vidas dos mananciais vai mudar.

O Diário da Região, por sua vez, ressalta que serão necessários pelo menos dez anos para recuperar as “Dez nascentes mortas e 29 agonizando” às quais se refere o título de sua reportagem. A reportagem destacou também a indução ao agravamento desse quadro pela criação de gado e pelas plantaçõs de cana-de-açúcar em áreas, que deveriam ser de preservação permanente, mas se tornaram livres para esse tipo de ocupação do solo devido às mudanças no Código Florestal:

As APP’s eram áreas de no mínimo 30 metros em rios de até 10 metros de largura próximo ao curso d’água, até a aprovação do novo Código Florestal, em 2012. Essas áreas precisam ser preservadas e cercadas para que o gado não avance para o leito das nascentes, porém, com a aprovação do novo Código Florestal, o produtor rural que já mantinha alguma atividade nessas áreas foi autorizado a manter a cultura já existente. O novo código também mudou a área das APP’s que variam de acordo com o município onde estão e do tamanho da propriedade.

As duas reportagens mostram essas e outras importantes informações prestadas por pesquisadores. O Diário da Região traz também um infográfico muito bem elaborado sobre a extensão do problema da seca em nascentes, rios e reservatórios do interior do estado.

Os dois veículos permitem acesso para quem não é assinante por meio dos dois links acima. Boa leitura!

 

Errata do Ipea não corrige questão nem elimina vícios de pesquisa

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A errata do documento “Tolerância social à violência contra mulheres“, divulgada ontem (sexta-feira, 4.abr) por meio de nota oficial do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) não pode ser considerada uma correção da questão à qual ela se refere. Na verdade, não há o que fazer para dar credibilidade a essa tentativa de estudo sobre o problema grave da sociedade brasileira da tolerância de agressões contra mulheres.

Não há como obter nenhuma conclusão cientificamente válida do uso da afirmação “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.

As palavras “merecem” e “atacadas” induzem a interpretações diferentes dessa sentença. Desse modo, foi prejudicado de antemão o aproveitamento das respostas afirmativas, negativas ou neutras dos entrevistados à pergunta aos entrevistados sobre se eles concordavam com essa frase.

Questões viciadas

Houve expressões de duplo sentido também em pelo menos outras três das 27 sentenças apresentadas a 3.801 pessoas entrevistadas de maio a junho de 2013 pelo Ipea, como já havia sido informado neste blog no post “Ambiguidades comprometem estudo sobre violência contra mulheres” na terça-feira (1º.abr), três dias antes do anúncio da errata.

A presença de expressões ambíguas nessas quatro questões que figuram entre as mais cruciais para o objetivo do trabalho impossibilita qualquer possibilidade de “salvar” o trabalho realizado pelo instituto. Além das que foram apontadas acima, as demais expressões de duplo sentido são as que aparecem em negrito nas afirmações a seguir.

Dá para entender que um homem que cresceu em uma família violenta agrida sua mulher.

Dá para entender que um homem rasgue ou quebre as coisas da mulher se ficou nervoso.

Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros.

Devido a essas ambiguidades, é desnecessária qualquer consideração sobre a quantificação das respostas dadas pelo entrevistados sobre as perguntas se eles concordavam ou não com essas afirmações.

Isso implica que, diferentemente do que passou a ser afirmado por ativistas após a errata, não dá para serem considerados confiáveis nem mesmo os dados referentes a opiniões sobre estupros.

Retratação

Dá para entender — e aqui é inevitável o trocadilho com duas das questões do Ipea — que ativistas não tenham levado em consideração essas ambiguidades que comprometem a credibilidade desse estudo. O que não dá para entender nem para aceitar é que especialistas tenham ignorado esses vícios ao se pronunciarem sobre o assunto na imprensa e nas redes sociais.

Quanto ao Ipea, não parece haver nenhuma outra saída senão a retratação desse trabalho, o que implica considerar que ele não tem validade científica.

 

Teto salarial menor faz universidades estaduais de SP perderem professores para federais

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O teto salarial estabelecido pela Constituição Federal para servidores públicos, que foi o motivo da reprovação das contas da USP pelo Tribunal de Contas do Estado, noticiada pela Folha de S. Paulo na semana passada, trouxe outro problema para essa universidade e também para suas co-irmãs Unesp e Unicamp. As três instituições paulistas passaram a enfrentar a desistência de candidatos classificados entres os primeiros colocados em seus concursos públicos quando há vagas também para as mesmas especialidades em universidades federais, cujo limite de remuneração atual é 42,6% superior ao valor máximo de salário de funcionários públicos em São Paulo.

Além dessa perda de preferência na disputa pelos melhores candidatos aos seus quadros, Unesp, Unicamp e USP já se preocupam com o risco de uma crescente evasão de professores considerados de alta produtividade em pesquisa, ensino e formação de pós-graduandos. As três universidades estaduais paulistas já começaram a contabilizar entre seus docentes aqueles cujos salários já estão congelados, mas também os que em breve estarão nessa condição e poderão ser atraídos por melhores salários das federais ou da iniciativa privada.

Fator de desestímulo

O teto salarial do funcionalismo estadual em São Paulo corresponde atualmente aos R$ 20.662 que o governador recebe por mês. Para os servidores federais vale hoje o máximo de R$ 29.462, definido pelos proventos dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Esses limites foram estabelecidos em dezembro de 2003 em consequência da Emenda Constitucional 41.

Nessas três universidades paulistas, o salário inicial de um docente em tempo integral com mestrado é de R$ 6.566 e, com doutorado, é de R$ 9.185. Embora o teto estadual seja maior que o triplo da primeira remuneração e que o dobro da segunda, ele acaba sendo um fator contrário à escolha por uma dessas três instituições como primeira opção. Além do aumento de vencimentos por meio de acréscimos por tempo de serviço e outros benefícios, os docentes passam a ganhar mais ao progredirem em suas titulações acadêmicas, como o doutorado, o pós-doutorado, a livre-docência e a titulação.

Altos cargos

As dificuldades trazidas pelo teto salarial não se limitam, portanto, à Unesp, Unicamp e USP. Embora o teto salarial decorrente da EC 41 atinja uma minoria nos quadros dessas instituições, ele as tornou menos atrativas do que já eram em comparação com empresas privadas em relação à remuneração de cargos que exigem alta qualificação técnica.

Na verdade, a instituição do limite máximo de proventos agravou essas mesmas dificuldades para todos os setores do poder público que exigem especialistas em funções de liderança ou na alta administração. E isso vale para as próprias universidades federais, principalmente em áreas de grande potencial para obter altos rendimentos, como como a medicina e o direito.

Tempo integral

Em relação ao funcionalismo público em geral, as universidades tem a vantagem de contar com regimes de trabalho em tempo parcial para professores. Desse modo, essas instituições podem manter em seus quadros os especialistas que optaram pelo trabalho em empresas como sua atividade principal.

Por outro lado, o investimento crescente no chamado RDIDP (regime de dedicação integral à docência e à pesquisa) das três universidades estaduais paulistas tem sido um dos fatores decisivos para o elevado desempenho dessas instituições, que até recentemente respondiam por quase a metade de todos estudos científicos brasileiros publicados em revistas de padrão internacional e com critérios exigentes para aceitação de trabalhos.

E eu com isso?

A preocupação com essas e outras dificuldades trazidas pela EC 41 pode certamente parecer absurda. Afinal, a maioria esmagadora dos trabalhadores brasileiros sustenta suas famílias com remunerações que nem chegam perto do que ganham os professores das universidades públicas, e muito menos ainda dos tetos salariais estaduais e federal.

Mas o teto salarial afeta negativamente a vida de todos cidadãos. Ele traz dificuldades para a manutenção especialistas altamente qualificados em funções de liderança não só na pesquisa científica e tecnológica, mas também na formação médicos, engenheiros, professores e outros profissionais importantes para toda a sociedade.

No funcionalismo em geral, o limite imposto pela EC 41 traz dificuldades para manter também gestores altamente qualificados na direção de serviços públicos de importância fundamental para a sociedade, por exemplo, em hospitais. E traz dificuldades até mesmo para viabilizar que profissionais de renome possam ter condições melhores para temporariamente trabalhar em cargos como os de ministros, secretários, assessores e outros. Não são poucos os casos de grandes nomes que recusam convites para cargos como esses.

Graças ao mensalão

O objetivo principal  Emenda Constitucional 41 foi reformar a Previdência Social, de modo a fazer com que o poder público tenha condições de equilibrar as despesas de acordo com as receitas nos próximos anos. Um de seus impactos para o funcionalismo foi o de acabar com pagamentos de novas aposentadorias em valores superiores aos vencimentos pagos durante o período de atividade para servidores de muitas autarquias e fundações.

Como não foi possível assegurar o fechamento das contas apenas por meio da mudança das regras em aposentadorias, o governo acabou instituindo também o teto salarial por meio da seguinte justificação, apresentada pelos então ministros Ricardo Berzoini, da Previdência e Assistência Social, e José Dirceu, da Casa Civil, na exposicão de motivos da PEC 40, de 2013, que foi aprovada e transformada na EC 41.

(…) há pessoas percebendo valores de benefícios extremamente elevados, que constituem uma afronta ética e moral em um país com a heterogeneidade social brasileira, no qual para milhões de brasileiros falta até mesmo o alimento básico à mesa diária.
Estes benefícios extremamente elevados têm sua origem no fato de que o teto remuneratório geral dos Três Poderes, previsto em texto constitucional, até hoje não foi implementado.

Acontece que a aprovação da PEC 40 envolveu líderes partidários condenados na ação penal 470 do STF, na qual foi comprovada a lavagem de dinheiro utilizado para compra  de votos de parlamentares no processo conhecido como Mensalão. Por essa razão, entidades como a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) e o PSOL entraram com ações diretas de inconstitucionalidade no STF contra a EC 41. Como relatou a revista Consultor Jurídico, o PSOL em sua ação afirmou que

(…) os 108 parlamentares que votaram a favor da reforma sob orientação dos líderes partidários Valdemar Costa Neto, Roberto Jefferson e Pedro Henry não o fizeram representando o povo, mas sim seus próprios interesses. Por isso, no entender do partido, estão comprometidos princípios da representação popular e da moralidade.

Resta aguardar pela decisão do STF.

Zona de conforto

Além de essas consequências da EC 41 não estarem entre os problemas mais reclamados pela sociedade, é importante observar também outro aspecto dessa questão em relação às universidades.

Se houver alguma forma de sanar essas consequências prejudiciais do teto salarial, será necessário cuidar para evitar manobras por parte da praga do corporativismo que assola nossas universidades públicas. Uma praga que sabe muito bem como se beneficiar das críticas ao poder público que lhe interessam, mas sabe também se manter alheio e até mesmo protegido de ações que possam perturbar sua zona de conforto.

OK, é verdade que o Brasil saltou de menos de 0,6% para mais de 2% sua participação na produção internacional de trabalhos científicos, como gostaram de repetir nossas autoridades nos ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação. E é verdade também que faz poucos anos que ultrapassamos o nível de 1% do PIB em investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) enquanto os tigres asiáticos e outros países mais com alto desempenho na competitividade de sua indústria, como a Coréia do Sul, estejam aplicando mais de 2%.

Esses resultados já estão, porém, tornando-se cantilenas estatísticas do passado. Nossa pesquisa cresceu muito quantitativamente, mas ainda há muitos desafios em termos de qualidade. Essa pesquisa avançou muito pouco não só na inovação — o que é uma omissão também de nossa iniciativa privada —, mas também na extensão de serviços à comunidade. E é preciso rever o crescimento desproporcional do dispendioso ensino nos moldes universitários em relação à formação por meio de faculdades isoladas em localidades que necessitam com urgência de ensino superior público de qualidade, como já foi comentado neste blog (“Ensino superior não é apenas o ensino universitário“, 21.mar). Sem falar na educação básica do país, que continua a não ter a devida atenção de grande parte de nossas universidades públicas. Tudo isso precisa mudar.

PS — Leia também:

Ambiguidades comprometem pesquisa sobre violência contra mulheres

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Não há dúvida de que é preciso combater tanto a violência contra as mulheres como a tolerância social com esse tipo de agressão no Brasil. Não há dúvida de que é preciso combater também os preconceitos que geram e fortalecem essa violência e essa tolerância. Mas há boas razões para duvidar da confiabilidade da pesquisa sobre o nível dessa tolerância social no país divulgada recentemente pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), do governo federal, e que ainda está tendo grande repercussão nos meios de comunicação.

Além dessas considerações, é importante esclarecer também que este post não tem o objetivo de contestar pessoas que, a partir da divulgação dessa pesquisa, protestaram contra as diferentes formas de agressão às mulheres. Inclusive porque este blog não tem seu foco em comportamentos pessoais. Mas ele tem como objetivo tratar jornalisticamente de questões como a confiabilidade de estudos como esse divulgado pelo Ipea.

Ambiguidades grosseiras

Na quinta-feira (27.mar), quando os veículos online começaram a divulgar o anúncio feito pelo Ipea por meio do release “SIPS revela percepções sobre a violência contra a mulher“, já dava para perceber que havia ambiguidades grosseiras em algumas das frases apresentadas a 3.801 entrevistados de maio a junho de 2013. A começar pela questão que provavelmente foi a que teve mais repercussão na imprensa, a que aborda estupros, apresentada a seguir com seus respectivos resultados em relação às suas alternativas de respostas, da mesma forma como no relatório da pesquisa.

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O que significa “saber se comportar” em relação a mulheres no contexto dessa pergunta e de toda a entrevista? A interpretação dos autores da pesquisa está expressa no trecho a seguir, transcrito da página 23 de seu relatório.

A culpabilização da mulher pela violência sexual é ainda mais evidente na alta concordância com a ideia de que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros” (58,5%). Por trás da afirmação, está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os estupradores. A violência parece surgir, aqui, também, como uma correção. A mulher merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar. O acesso dos homens aos corpos das mulheres é livre se elas não impuserem barreiras, como se comportar e se vestir “adequadamente”.

Em outras palavras, os autores da pesquisa do Ipea descartaram completamente a possibilidade de essa questão receber respostas concordantes até mesmo por parte de pessoas — inclusive mulheres — completamente contrárias a qualquer ideia de responsabilizar vítimas de estupro por essa violência praticada contra elas. É razoável, por exemplo, supor que uma mulher em trajes sexy esteja em situação de maior risco de sofrer estupro, e essa pressuposição pode não ter nada a ver com aceitar esse tipo de violência nessas condições.

Dá para ‘entender’

Também houve duplo sentido e, consequentemente, prejuízo da aferição do nível de tolerância social à agressão masculina contra mulheres pelo uso da expressão “dá para entender” na afirmação a seguir, apresentada com seus resultados.

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Embora minoritárias, corresponderam a 33,9%, ou seja, a pouco mais de um terço do total, as opiniões concordantes ainda que parcialmente a essa afirmação, que foi considerada como “justificativa” do comportamento agressivo masculino no relatório da pesquisa, como mostra o trecho de sua página 20 transcrito a seguir com negrito deste blogueiro.

Assim, 83,6% das pessoas entrevistadas discordaram da sentença “dá para entender que um homem rasgue ou quebre as coisas da mulher se ficou nervoso”. A discordância em relação à frase “é da natureza do homem ser violento” foi um pouco menor, em torno de 74%. A justificativa “dá para entender que um homem que cresceu em uma família violenta agrida sua mulher” agrega maiores níveis de concordância, mas, ainda assim, a maioria, em torno de 64%, dela discorda.

Essas afirmações demonstram que os responsáveis pela pesquisa desconsideraram que, além de poder ser percebida como “justificativa” ou aceitação do comportamento masculino agressivo contra a mulher, a expressão “dá para entender” também pode ser interpretada como compreensão do processo de formação dessa agressividade no comportamento masculino.

Na verdade, pelo simples fato de ter sido construída com essa expressão, a questão é inadequada para uma pesquisa de opinião. E isso vale também para a outra frase apresentada aos entrevistados que trata sobre rasgar ou quebrar pertences de mulheres e está citada nesse mesmo trecho acima transcrito. Nesses dois casos, em vez de “dá para entender”, deveria ter sido usada outra expressão para identificar inequivocamente a tolerância à agressão, como, por exemplo, “é aceitável”.

Mulheres ‘atacadas’

Segundo os responsáveis pela pesquisa do Ipea, a questão que mais os surpreendeu pelo elevado índice de concordâncias correspondentes à tolerância à violência contra as mulheres foi a seguinte.

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Essa questão foi criticada também por Felipe Moura Brasil, colunista de Veja, em artigo publicado no dia seguinte à divulgação da pesquisa. Embora eu considere pertinentes muitas das críticas feitas por esse jornalista ao estudo, não concordo, porém, com a interpretação dele em relação à palavra “atacadas”. Concordo com sua afirmação de que

“Atacar” mulher no Brasil não é necessariamente cometer crimes contra ela. Até “criticar alguém” é “atacar”. Quase todo homem ataca mulheres neste sentido. Se a pesquisa pretendesse esclarecer alguma coisa, teria definido a que tipo de “ataque” se refere (e não teria usado a palavra “merece”, que, entre tantos significados, tem até mesmo o de “atrair sobre si”; sem contar o vazio que gírias como “ninguém merece!” e “fulano merece!” lhe emprestaram). (…) Agora: se a palavra “atacadas” fosse trocada por “espancadas” ou “estupradas”, é evidente que o resultado teria sido mais ameno.

Essas observações do colunista foram mais que suficientes para apontar que a questão a que elas se referem foi completamente contaminada por conter as duas expressões vagas. Desse modo, é desnecessário eu fazer outras ponderações, exceto a de que discordo dele em suas considerações a seguir.

Quantas vezes homens de bem não dizem aos amigos que “partiram para o ataque” com fulana, querendo dizer que apenas a abordaram de forma mais incisiva, mostrando o quanto querem ter com elas alguma relação? Quantos não estimulam os outros a deixar de lero-lero e “partir para o ataque”? Quantas mulheres não adoram ser “atacadas” neste sentido pelos homens?

O colunista tem razão por lembrar da existência desse sentido ameno para “atacar”, mas não deixa de ser razoável pressupor que esse significado praticamente não deve ter sido interpretado desse modo por grande parte dos entrevistados, pois o contexto da entrevista não induz a considerações desse tipo.

Outra conversa

Felipe Moura Brasil voltou à carga contra a pesquisa do Ipea no dia seguinte (sábado, 29.mar) em outro artigo, trazendo dessa vez considerações que, mais pela forma do que pelo conteúdo, serviram para acirrar nesse tema a oposição entre direita e esquerda. Inclusive por relacionar a “cultura do estupro” que “coloca mulheres contra homens (os que não estupram, inclusive)” ao PT, que “coloca negros contra brancos, filhos contra pais, sem-terra contra fazendeiros”.

Não me interessa investir nessa oposição, que muitas vezes, mesmo sendo pertinente, acaba servindo mais para desviar o foco do que considero essencial. No entanto, faço questão de dar a esse segundo artigo o crédito por me informar sobre a “Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar sobre Atitudes, Normas Culturais e Valores em Relação à Violação de Direitos Humanos e Violência – Um Estudo em 11 Capitais de Estado”, divulgada pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP em junho de 2012. E já que é para reconhecer a informação dada pelo jornalista, que ele seja creditado também por suas palavras a seguir sobre o estudo da USP.

Mas o que a população brasileira realmente pensa a respeito de estupradores? Eu conto: de acordo com uma pesquisa de 2010 do Núcleo de Estudos da Violência da USP, 39,5% dos entrevistados acham que estupradores merecem pena de morte, 34,3% defendem prisão perpétua e 11,1% apoiam prisão com trabalhos forçados. Ou seja: a imensa maioria da população defende penas tão duras aos estupradores que elas sequer estão previstas no nosso Código Penal. Ou ainda, traduzindo para o idioma do IPEA: nenhum outro criminoso “merece” tanto a pena de morte, para os brasileiros, quanto o estuprador.

Os dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP são um contraponto equilibrado às afirmações diparatadas do relatório da pesquisa do Ipea, principalmente àquela já reproduzida na primeira citação acima e que vale a pena destacar agora:

O acesso dos homens aos corpos das mulheres é livre se elas não impuserem barreiras, como se comportar e se vestir “adequadamente”.

Objeções de consistência

Muitas outras objeções podem ser feitas à consistência do estudo divulgado pelo Ipea, inclusive no que diz respeito ao uso, na forma de questões, de algumas máximas populares — também passíveis de ambiguidade na interpretação —, como, por exemplo, “Em briga de marido e mulher não se deve meter a colher” e outras.

Se alguma tolerância foi efetivamente confirmada por meio desse estudo, essa foi a que se deu em relação à presença de ambiguidades nas questões apresentadas aos entrevistados.

Cientistas relatam pressões para publicar estudos incompletos ou com dados não verificados

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Células-tronco embrionárias humanas. Imagem de Nissim Benvenisty, via Wikimedia Commons (http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Human_embryonic_stem_cells_only_A.png#), licença CC-BY-2.5 Dezoito cientistas que trabalham com células-tronco afirmaram terem recebido pressões para publicar estudos incompletos ou com dados não verificados, noticiou a revista britânica New Scientist na semana passada. O semanário informou também que cinco pesquisadores nessa mesma área confirmaram adulteração por eles mesmos ou por colegas de dados de trabalhos que foram publicados.

“Sei de numerosas situações em que bolsistas, algumas vezes com o conhecimento de seus mentores, publicaram dados falsificados”, disse um professor à revista, que se baseou em respostas de 112 cientistas a um questionário enviado para mil pesquisadores de células-tronco de diversos países.

Por que células-tronco?

O objetivo do levantamento, segundo Helen Thomson, autora da reportagem “Cientistas de células-tronco relatam pressões de trabalho antiéticas“, foi buscar alguns insights para compreender por que têm ocorrido tantos casos de más-condutas científicas nessa área de pesquisas, da qual se espera o desenvolvimento de terapias para diferentes tipos de câncer e doenças como as de Parkinson, Alzheimer e outras.

O escândalo mais recente nessa área veio a tona em 17 de fevereiro, quando o periódico britânico Nature divulgou em seu site que já teria iniciado uma averiguação sobre acusações de adulteração de imagens em um dos dois trabalhos desenvolvidos no Japão, ambos publicados na edição de 30 de janeiro, que anunciaram a reversão de células de diversos tecidos de camundongos para o estágio embrionário por meio de nada mais que um banho ácido.

Maior exposição

Mais da metade dos que responderam aos questionário (55,9%) afirmaram acreditar que a investigação sobre células-tronco está sob maior escrutínio que as outras áreas da pesquisa biomédica. “Isso acontece porque as implicações para terepias são maiores do que em outras áreas”, disse um dos pesquisadores que acrescentaram informações para explicar a resposta afirmativa à seguinte pergunta.

Você acha que a pesquisa com células-tronco está sob escrutínio mais intenso (por exemplo, de jornalistas, de revisores de periódicos ou de outros cientistas) do que outras áreas da ciência biomédica?
Respostas: 62 "Sim" (55,9%) e 49 "Não" (44,1%)
Explicaram a resposta afirmativa: 0
Responderam: 111 – Pularam a questão: 1

Quase um quinto dos que responderam afirmativamente a essa questão disseram que seu trabalho é afetado por esse quadro de intensa exposição. Enquanto alguns disseram que isso os fez serem mais rigorosos, outros afirmaram que se sentem forçados a encontrar aplicações clínicas muito cedo.

Se você respondeu "sim" à questão anterior, você acha que isso afeta seu trabalho de alguma forma?
Respostas: 21 "Sim" (24,4%) e 65 "Não" (75,6%)
Explicaram a resposta afirmativa: 19
Responderam: 86 – Pularam a questão: 26

Disputa entre equipes

“Há uma pressão tremenda para publicar e ela tem a finalidade de receber financiamento”, declarou um dos entrevistados para explicar as pressões a que se referem às seguintes perguntas.

Você já sentiu alguma pressão para submeter para publicação um artigo que você achava estar incompleto ou com informações não verificadas?
Respostas: 18 "Sim" (16,7%) e 90 "Não" (83,3%)
Explicaram a resposta afirmativa: 14
Responderam: 108 – Pularam a questão: 4
Você ou algum de seus colegas já falsificou ou acrescentou dados que acabaram sendo publicados em um artigo?
Respostas: 5 "Sim" (4,7%) e 101 "Não" (95,3%)
Explicaram a resposta afirmativa: 6
Responderam: 106 – Pularam a questão: 6

Além das pressões motivadas para captar recursos, foram relatadas também aquelas originadas de competições entre equipes que querem marcar pioneirismo em suas áreas de atuação. Um líder de grupo de pesquisa, por exemplo, afirmou à New Scientist que o atalho para o envio um determinado trabalho acaba acontecendo quando há risco de uma equipe rival publicar antes um estudo semelhante.

Medo do chefe

Entre as demais explicações dos entrevistados — que estão no relatório completo da pesquisa da New Scientist — destacam-se principalmente acusações contra cientistas  responsáveis por grupos de pesquisa e instâncias superiores, como as três seguintes.

Os supervisores e mentores ficam muito animados com os dados, mas algumas pessoas ficam depois com medo de dizer a eles que não podem validar esses resultados.

Às vezes um emprego é posto em questão, e superiores se tornaram conhecidos por tentarem forçar a publicação prematura e levar o crédito por resultados… quando eles nem sequer conheciam o conteúdo do trabalho.

Projetos grandes e caros financiados pelo governo estão às vezes sob grande pressão para publicar trabalhos que geralmente teriam como melhor encaminhamento um maior escrutínio antes da apresentação. Da mesma forma, subvenções e prazos de carreiras muitas vezes geram pressão para publicar — ou perecer.

Extensão do problema

Embora possam ser considerados mais ou menos preocupantes, os dados da prospecção feita pela New Scientist não comprometem toda a área da pesquisa com células-tronco. Eles importam muito mais para compreender como e por que acontecem esses casos de más-condutas científicas, e é para isso que a revista se propôs a fazer esse trabalho.

Esses resultados reforçam ainda mais o desafio crescente para as agências de financiamento à pesquisa e para as revistas científicas de não só saberem separar o joio do trigo, mas também de não serem os fatores de estímulo da produção do joio. E a lição vale também para grande parte da imprensa, que em janeiro deste ano já possuía registros suficientes para ter sido mais cuidadosa em face da promessa sensacionalista de uma pesquisa que agora está sob suspeita de fraude.

Ensino superior não é apenas o ensino universitário

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Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE)

Enquanto o projeto de lei do Plano Nacional de Educação (PNE) para a presente década de 2011 a 2020 se arrasta com atraso no Congresso Nacional, a distinção entre ensino superior e ensino universitário parece não ter grandes implicações na definição de prioridades não só de nossos legisladores no nível federal, mas também de agentes políticos em todas as esferas do poder público.

Em todo o país, prefeitos e vereadores fazem constantes romarias aos gabinetes de reitores de universidades estaduais e federais, de governadores e do Ministério da Educação para pedir a criação de um campus de alguma universidade em seus municípios. Deputados estaduais e federais, representando as cidades onde têm suas bases eleitorais, também fazem reivindicações semelhantes.

Recentemente — e felizmente — esses agentes políticos começaram a perceber que a expansão do ensino superior público pode ser muito mais rápida e ter melhores condições de manutenção de sua qualidade com a criação de faculdades isoladas, ou seja, sem vinculação a universidades.

Modelo mais caro

A implantação de um curso em universidade exige processos mais longos e investimentos muito maiores do que em uma faculdade isolada. E isso decorre da própria distinção entre o ensino superior e o universitário estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 52:

Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por:
I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;
II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;
III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral.
Parágrafo único. É facultada a criação de universidades especializadas por campo do saber.

Em outras palavras, a criação de novas unidades de ensino em universidades exige não só tudo o que é necessário para uma faculdade isolada, mas também infraestrutura de pesquisa e de pós-graduação. Mas o que a maior parte de nossos municípios precisa, e com urgência, é de cursos de graduação de qualidade para formar profissionais para o mercado de trabalho.

Desequilíbrio

Os dados mais recentes do Censo da Educação Superior do Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação, que se referem a 2011, indicam que naquele ano havia 6,74 milhões de matrículas em cursos de graduação do Brasil. Desse total, 4,87 milhões estavam no ensino superior privado e 1,87 milhão, ou seja, pouco mais de um quarto, estava em instituições públicas federais, estaduais e municipais

Dentro desse 1,87 milhão de matrículas no ensino superior público, 1,62 milhão (86,7%), estava em universidades. As 249 mil restantes (13,3%) estavam divididas em centros universitários, faculdades e institutos e centros de formação tecnológica, como mostram os percentuais da tabela a seguir.

Tabela 8 – Resumo Técnico do Censo da Educação Superior 2011 – Inep (http://portal.inep.gov.br/web/censo-da-educacao-superior/resumos-tecnicos)

Dessas 249 mil matrículas, cerca de 97,4 mil, ou seja, 5,2% do total de 1,87 milhão do ensino superior público brasileiro de graduação, estava nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IFs) e nos centros federais de educação ciência e tecnologia (Cefets).

Essas unidades de ensino superior profissional, assim como as semelhantes dos governos estaduais, são excelentes exemplos de formação de qualidade oferecida pelo poder público, que têm atingido boas classificações em avaliações de desempenho como o Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes).

O caso de São Paulo

Em São Paulo, as três universidades estaduais — Unesp, Unicamp e USP — levaram mais de duas décadas a partir do final dos anos 1980 para aumentar em cerca de 90% seu total de matrículas em cursos de graduação. Grande parte dessa expansão ocorreu por iniciativa do governo estadual em 2001, trazendo grandes benefícios para a formação de nível superior em diversos municípios. Mas trouxe também dificuldades para a consolidação de unidades criadas em localidades onde essas instituições ainda não estavam presentes.

No caso da Unesp, entre as dificuldades enfrentadas na criação de novas unidades, houve também o pouco interesse de potenciais candidatos pelos concursos públicos abertos para cargos de professores, que foi agravado pela denominação burocrática de “campus experimentais”. Afinal, quem quer começar uma carreira universitária em uma unidade “experimental”?

Por outro lado, também em São Paulo, as Fatecs (faculdades de tecnologia) do Centro Paula Souza, do governo estadual, passaram de 29 unidades com 32 cursos e 19 mil alunos em janeiro de 2007 para 59 unidades com 65 cursos e 69 mil matriculados neste início de 2014. Esse modelo de sucesso, que em sete anos aumentou para mais que o triplo o número de alunos, demorou para ser compreendido por prefeitos, vereadores e deputados estaduais e federais. Mas ainda é muito forte a pressão política para criar novas unidades universitárias.

Indefinição no PNE

Para o PNE, seu projeto de lei 8.035 de 2010, que tramita na Câmara dos Deputados, tem a meta 12, que prevê expandir até 2020 em 50% a taxa bruta de matrículas no ensino superior, ou seja, aumentar o correspondente à metade da atual capacidade de vagas, “assegurando a qualidade da oferta”.

Não há nenhum dispositivo no texto dessa proposta para que a implantação de novas unidades de ensino superior tenha como primeira possibilidade a ser considerada, a opção de não adotar o modelo universitário. Consta apenas, como estratégia para alcançar essa meta, a de número 12.14:

Mapear a demanda e fomentar a oferta de formação de pessoal de nível superior considerando as necessidades do desenvolvimento do País, a inovação tecnológica e a melhoria da qualidade da educação básica.

Em outras palavras, isso significa deixar por conta da vontade política de nossos governantes até 2020 o que poderia ser uma prioridade clara de nossos legisladores.

Não se trata aqui de querer acabar com o modelo universitário, mas apenas de tentar evitar de ele se tornar ainda mais predominante do que já é e de promover a expansão do ensino superior mais depressa e com menos problemas.

Pesquisador coagiu estagiários a alterarem dados de experiência, concluiu agência dos EUA

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Advocate Lutheran General Hospital, Park Ridge, Illinois,  Creative Commons Attribution-Share Alike 2.0 Generic License

A Agência da Integridade da Pesquisa (ORI) dos Estados Unidos relatou anteontem (segunda-feira, 18.mar) que o cardiologista Parag V. Patel constrangeu estagiários a falsearem resultados de uma pesquisa coordenada por ele a partir de 2008 no Hospital Geral Beneficente Luterano, da cidade de Park Ridge, no estado de Illinois.

Os estagiários teriam sido coagidos pelo médico a registrar percentuais menores que os realmente observados para os volumes de sangue bombeados nos ventrículos esquerdos dos corações de pessoas com infarto agudo do miocárdio, segundo a nota da ORI publicada no Federal Register, o diário oficial dos EUA. Desse modo, esses pacientes teriam sido indevidamente indicados para tratamento com desfibriladores.

Uso de desfibrilador

A publicação relata anda que Patel também teria incorrido em “má-conduta” influenciando outros médicos a rever e a reduzir para menos de 35% os percentuais registrados para a chamada fração de ejeção do ventrículo esquerdo (LVEF na sigla em inglês) de pacientes. Em condições normais, o percentual de bombeamento nessa parte do coração humano varia de 55% a 70%, segundo nota da Retraction Watch.

O estudo, que previa envolver cerca de 1.900 pacientes até 2015 e foi custeado com recursos do Instituto Nacional do Coração, Pulmão e do Sangue, teve resultados preliminares divulgados em 2009. Na ocasião, Patel sugeriu o uso de um colete desfibrilador automático para reduzir o risco de mortalidade nos primeiros 60 dias, após infarto do miocárdio, em pacientes com LVEF fração de ejeção ventricular esquerda menor ou igual a 35 por cento.

Acordo de dois anos

A investigação do caso foi realizada pela ORI com a participação do Hospital Geral Beneficente Luterano, que não tem fins lucrativos e tem sido apontado nos últimos 15 anos entre os cem melhores dos Estados Unidos.

Nascido no Quênia, Patel, que tem 47 anos de idade e 15 de experiência como cardiologista, não negou nem admitiu a responsabilidade pela alteração dos resultados, mas se comprometeu a cumprir um acordo vigente por dois anos a partir de sua assinatura, que ocorreu em 21 de fevereiro.

O acordo estabelece que nos próximos dois anos Patel não poderá atuar como consultor em nenhum trabalho no âmbito do serviço de saúde pública, nem em comissões de revisão de trabalhos científicos, e só poderá realizar outras pesquisas após aprovação pela ORI de um plano de supervisão para novos trabalhos. Além disso, o cardiologista terá de submeter relatórios semestrais a uma comissão de três médicos do hospital, que se encarregará também de fazer uma revisão dos estudos nos quais ele participou.

Burocracia disfuncional

A ORI é uma agência ligada ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), órgão ministerial do governo dos EUA. Antes que os leitores fiquem impressionados positivamente com a atuação desse órgão no caso que envolveu Parag V. Patel, vale registrar que seu diretor David Wright se demitiu em 25 de fevereiro fazendo duras críticas à burocracia “descomunalmente disfuncional” do governo federal.

Conforme reportagem da Science Insider (12.mar), entre outras reclamações Wright afirmou em sua carta de demissão a Howard Koh, seu superior imediato no HHS, que o orçamento da ORI tem sido comido pelas beiradas por funcionários veteranos da agência e que o próprio gabinete de Koh tem uma cultura de trabalho com falhas graves, entre elas a tendência ao segredo, à autocracia e à falta de esclarecimentos.

Comissão vota amanhã nova proposta para regulamentar profissão de historiador

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Mapa de 1794 de Samuel Dunn – Wall Map of the World in Hemispheres - Geographicus - From Wikimedia Commons, the free media repository (http://www.geographicus.com/P/AntiqueMap/World2-dunn-1794)

O projeto de lei para a regulamentação da profissão de historiador recebeu ontem (segunda-feira, 17.mar) proposta de alteração. Está agendada para amanhã a apresentação à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados do relatório do deputado federal Roberto Policarpo (PT-DF), com a nova redação, proposta por associações de historiadores após as críticas feitas por outras entidades e por pesquisadores.

O novo texto propõe a ampliação do exercício da profissão de historiador — previsto inicialmente apenas para graduados em história — para portadores de diploma de mestrado ou doutorado em programa de pós-graduação reconhecido pelo governo que tenha linha de pesquisa dedicada à história.

A alteração inclui também os profissionais diplomados em outras áreas que tenham exercido a profissão comprovadamente por mais de cinco anos, antes da data de promulgação da lei.

Registro no ministério

Diferentemente da regulação de algumas categorias de nível superior, como as de médicos, dentistas, engenheiros, arquitetos, contadores, economistas e outras, essa proposta legislativa não visa criar um conselho federal, bastando apenas a obrigação, para cada historiador, de registro profissional prévio no no Ministério do Trabalho e Emprego mediante a apresentação de diploma.

Apresentado inicialmente no Senado, onde foi aprovada em novembro de 2012, o projeto provocou controvérsia entre pesquisadores, inclusive entre historiadores.

Em entrevista à Folha de S. Paulo o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho disse:

Isso é um corporativismo inadmissível. Reserva de mercado é algo absurdo. Posso listar grandes historiadores brasileiros que não são formados em história.

Em contrapartida, na mesma reportagem Carlos Guilherme Mota, professor emérito da USP, declarou:

Se for para lecionar, faz sentido, porque precisa ter formação na área. Para dar aula em universidade eu deixaria em aberto, porque há antropólogos e sociólogos com formação histórica sólida.

Controvérsia no Senado

A iniciativa de regulamentação foi apresentada em 2009 pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a pedido da Anpuh (Associação Nacional de Professores Universitários de História), por meio do projeto de lei 368/2009 do Senado. Além do senador Pedro Taques (PDT-MT), um dos principais opositores à proposta foi o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que no dia da votação afirmou:

É a investigação sobre a evolução das sociedades humanas que tem que ser vista sob os mais diferentes prismas. História é política. História é vida. História é pluralismo. Não pode ser objeto de um carimbo profissional.

A proposta foi defendida no relatório do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), aprovado na Comissão de Constituição e Justiça:

(…) a omissão do legislador pode permitir que pessoas inabilitadas no exercício profissional coloque em risco valores, objetos ou pessoas.

Crítica de pesquisadores

Na Câmara, após tramitar nas comissões na forma do PL 4699/2012, a proposta chegou ao plenário, onde entrou dez vezes na pauta de votações em regime de urgência entre junho e setembro de 2013, mas acabou sempre sendo retirado da ordem do dia. Nesse período surgiram as críticas mais incisivas ao projeto, como a carta conjunta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Nessa correspondência, Helena Nader, presidente da SBPC, e Jacob Palis, presidente da ABC, afirmaram:

O projeto tem problemas graves e, se aprovado na forma em que está, trará sério prejuízos ao Brasil e ao ensino superior de inúmeras disciplinas relacionadas com a História.

Em ofício dirigido à SBPC, Benito Bisso Schmidt, então presidente da Anpuh, declarou:

O PL apenas quer regulamentar a atividade de Historiador nos âmbitos do ensino formal e da pesquisa histórica científica. Não veda a ninguém escrever ou ensinar História, apenas não confere o título de Historiador aos que não têm essa formação específica.

Além da SBPC e da ABC, outras associações acadêmicas também apresentaram críticas ao projeto de lei, como a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) e a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE). No entanto, essas duas entidades, em entendimento com a Anpuh, apresentaram em outubro de 2013 sua proposta conjunta de alteração, que foi agora incorporada ao PL 4699/2012.

Direto para o plenário?

Em face da apreciação pela CTAS prevista para amanhã, vale a pena perguntar se antes de chegar ao plenário promoverão discussões ou consultas sobre as alterações formuladas por essas três entidades, como eu já havia dito neste blog no artigo “Regulamentação de historiadores recua no Congresso” (26.fev).

Afinal de contas, o texto inicial já havia provocado diversas manifestações não só no Brasil, mas também no exterior. Inclusive por parte da Associação Americana de História (AHA), que é contrária à regulamentação, assim como de pesquisadores da área de estudos brasileiros em algumas universidades dos Estados Unidos, que são favoráveis. Será que as alterações não merecem ser discutidas?

Para quem quiser saber mais sobre o assunto, vale a pena ler a reportagem “PL que regulamenta profissão de historiador gera polêmica na comunidade científica“, de Flávia Machado, no blog da revista História, Ciências, Saúde — Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz. Vale a pena também consultar seus links para documentos sobre o assunto.

PS de 20.mar — Foi aprovado ontem (quarta-feira, 19.mar) por unanimidade na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público o parecer do deputado Roberto Policarpo (PT-DF), com a proposta de alteração do tecto do projeto de lei 4699/2012 sugerida em conjunto pela Anpuh, SBHC e SBHE. O texto seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça, onde aguarda designação de relator. Mas a iniciativa pode agora, com a oficialização da nova redação, ser rapidamente aprovada e levada à apreciação do plenário por meio de acordo entre lideranças partidárias.

Novo ministro da Ciência e Tecnologia é crítico do planejamento regional do governo

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Clelio Campolina Diniz, que encerra seu mandato de reitor da Universidade Federal de Minas Gerais e assume o cargo de ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação

O engenheiro e economista Clelio Campolina Diniz, que assume nesta segunda-feira (17.mar) o cargo de ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, é um crítico da atuação do governo no planejamento regional. Seus estudos sobre esse tema já o levaram a propor a criação de polos de desenvolvimento em diversas regiões do país para prevenir o risco do que ele chama de relitoralização, ou seja, o retorno à concentração do setor produtivo nas regiões litorâneas do país, revertendo a interiorização que só ocorreu após mais de 300 anos do Brasil colonial e de mais um século após a independência. A relitoralização, segundo o novo ministro, está sendo induzida pela ampliação de atividades como o turismo e a exploração do pré-sal.

Aos 71 anos, Diniz assume o MCTI coincidentemente um dia antes do encerramento de seu mandato de reitor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), iniciado em 2010. Sua escolha pela presidente Dilma Rousseff foi apontada por alguns veículos da imprensa como “técnica” e também por meio da expressão equivalente “não política”, apesar de ter acontecido em meio às negociações do Palácio do Planalto para enfraquecer no Legislativo o grupo de “descontentes” formado por 280 deputados federais — 55% do total de 513 — de 11 partidos, conhecido como Blocão, que no final da semana passada ficou reduzido a 129 parlamentares de quatro siglas.

Escolha política

Na verdade, a mudança do ex-reitor da UFMG para a Esplanada dos Ministérios faz parte das articulações do PT para as eleições deste ano ao governo de Minas Gerais. Embora não tenha filiação partidária, Diniz mantém boas relações com expoentes mineiros do partido, como Sandra Starling, Patrus Ananias e o próprio pré-candidato ao governo mineiro Fernando Pimentel, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Em sua crítica à exoneração do ministro Marco Antonio Raupp (“Troca de ministro da Ciência e Tecnologia decepciona cientistas“), Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), não reclamou da escolha por Diniz. Mas ela destacou que a mudança, por iniciar uma nova gestão de curta duração até o final do mandato de Dilma, põe em risco a continuidade de ações essenciais para o desenvolvimento de programas de pesquisas científicas.

Dança das cadeiras

A reclamação de Helena Nader é correta, ainda que se possa vincular sua motivação ao fato de ela ter sido vice-presidente da SBPC ao lado de Raupp quando este presidiu a entidade durante dois mandatos bianuais de 2007 a 2011. Mesmo que Diniz venha a permanecer no cargo de ministro em 2015, na hipótese de o PT vencer as eleições presidenciais, o impacto da atual mudança de cadeiras na pasta se somará a outro: a desaceleração de projetos da máquina administrativa no período eleitoral.

Fora isso, não há como deixar de ver que Diniz é o terceiro ministro do MCTI desde o início do atual governo. Raupp já havia sucedido Aloizio Mercadante, que deixou a pasta em janeiro de 2012 porque preferiu substituir Fernando Haddad, que saiu do Ministério da Educação para se candidatar à prefeitura de São Paulo.

Filho de Maria e José

Nascido em Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, Diniz é o caçula dos 11 filhos do humilde casal José e Maria — como na Bíblia, costuma ressaltar ele. As primeiras aulas do pequeno Clelio foram em uma escola rural multisseriada, onde a professora era sua irmã.

O filho de Maria e José mudou ainda jovem para Belo Horizonte, onde morou em uma pensão e trabalhou em um bar, em um posto de gasolina e em um escritório de contabilidade. Em 1967, ele se formou em engenharia de produção na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, onde em 1970 se graduou também em engenharia mecânica.

Formação marxista

Ainda em 1970, já trabalhando como funcionário aprovado em concurso público para o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Diniz foi convidado para fazer um curso de especialização no Instituto Latino-americano de Planejamento e Desenvolvimento Social em Santiago, no Chile. E para lá ele foi, como bolsista da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe das Nações Unidas), quando o país já estava sob o governo de Salvador Allende (1970-1973).

A vivência no Chile em plena efervescência do governo Allende marcou profundamente o jovem engenheiro que começava a direcionar sua formação para a economia, como disse ele em seu discurso na solenidade de posse do cargo de reitor na UFMG em janeiro de 2010:

Carrego comigo duas formas de ver o mundo. De minha formação heterodoxa, estruturalista, cepalina e marxista e de minhas andanças pelo mundo, trago a visão da sociedade como uma permanente manifestação de contradições e conflitos. Para compreendê-los e neles atuar, precisamos ser dialéticos na análise e na interpretação. De minha formação prática, de minhas experiências de trabalho desde criança e de minha formação de engenheiro, trago a concepção cartesiana de precisão e objetividade. Assim, tento ser, ao mesmo tempo, dialético para analisar e entender o mundo, a sociedade e suas manifestações e cartesiano na ação, para que tenhamos precisão, objetividade e eficiência.

Vida acadêmica

De volta ao Brasil, Diniz deixou seu emprego no BDMG para seguir a carreira acadêmica. Em 1976, um ano após concluir seu mestrado em economia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ele começou a trabalhar como professor na UFMG. Mas foi na Unicamp onde ele concluiu em 1983 suas disciplinas de doutorado em economia e defendeu sua tese em 1987. Em 1991, como bolsista do CNPq, ele concluiu seu pós-doutorado na Universidade Rutgers, no estado em New Jersey, nos Estados Unidos.

Na UFMG, Diniz foi diretor da Faculdade de Ciências Econômicas de 1998 a 2006. Sua atividade de pesquisa se concentra na análise do desenvolvimento econômico do Brasil sob os aspectos da inserção internacional, dinâmica setorial da produção, distribuição regional das atividades econômicas e da população.

UFMG em rankings

Durante a gestão de Diniz como reitor, a UFMG esteve em posição de destaque em algumas das avaliações internacionais de desempenho acadêmico. No Brasil, a instituição obteve o terceiro lugar no Ranking Universitário Folha em 2013, ficando atrás somente da USP e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Na avaliação trienal dos programas de pós-graduação brasileiros divulgada no final de 2013, a UFMG teve 31 de seus 63 programas de doutorado classificados com conceitos 6 e 7 na escala em que 7 é o máximo.

Planos para o Brasil

Os estudos e convicções de Diniz sobre o planejamento regional o levaram muitas vezes a criticar autoridades governamentais, na medida em que ele considerava que as políticas regionais são indevidamente formuladas de maneira isolada. Como disse ele em uma entrevista em 2012,

A proposta é dividir o País em cinco grandes regiões geográficas, a partir das forças e das homogeneidades. Daí surgiu a proposta de dividir o País em 118 subrregiões, agrupando-as com tipologias que indicassem semelhanças e diferenças, o que daria maior consistência às políticas públicas. A política de incentivos, por exemplo, não precisaria ser para todo o Nordeste, mas poderia ser para um grupo de regiões de determinadas características, mas poderia incluir o Vale do Ribeira, em São Paulo, ou o sul do Rio Grande do Sul, que é uma região estagnada. Seria uma forma de dar consistência nacional às políticas regionais. Aliás, as políticas regionais não podem ser formuladas de maneira isolada, têm de ser nacionais. Eu falava para o Ciro Gomes quando ele era ministro [da Integração Regional, de 2003 a 2006]: “Ciro, para de pensar o Nordeste, tem de pensar o Brasil, pô!”

Em dezembro do ano passado, Clelio Diniz apresentou sua proposta em Los Angeles, nos Estados Unidos, na conferência internacional Urbanização global: desafios e prospecções, promovida pela Associação de Estudos Regionais. A apresentação, que teve como base seu artigo “Brasil: metropolização acelerada e crise urbana”,baseado em um estudo elaborado para o Ministério do Planejamento em 2008, incluiu o mapa dos polos regionais a seguir, segundo boletim da UFMG.

Macropolos

Dificuldades e desafios

O currículo e a trajetória de Diniz mostram que ao novo ministro não faltam conhecimento e experiência para o cargo de titular do MCTI. Ainda que política, a escolha da presidente Dilma em meio ao toma-lá-da-cá da semana poderia não ter sido por alguém com credenciais desse nível. Não há razão, por enquanto, para afirmar que haverá prejuízos para os projetos de pesquisa nacionais além daqueles provocados pelo impacto da mudança de ministro.

Mas o novo ministro não pode deixar de ficar atento a um aspecto da exoneração de seu antecessor: diferentemente dos outros cinco ministros que agora deixam seus cargos para concorrer às eleições neste ano, Raupp não saiu para se candidatar. E também não parecia enfrentar problemas de relacionamento político no governo. Exceto em seu desafio de adequar o desenvolvimento de foguetes lançadores de satélites aos padrões organizacionais dos programas espaciais de outros países.

Enquanto quase todos os programas espaciais estrangeiro foram completamente desmilitarizados, o programa brasileiro do Veículo Lançador de Satélites ainda permanece, após mais de três décadas, refém da burocracia militar da Aeronáutica.

Em seu discurso de posse como reitor, em 2010, Diniz citou a famosa frase do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955): “Eu sou eu e minha circunstância”. Mas faltou ele acrescentar a continuação: “E se eu não a salvo, eu não me salvo”.*

*José Ortega y Gasset, Meditaciones del Quijote. Alianza Editorial, Madrid, 1999, p. 25.

‘Cosmos’ estreia sob ataques de criacionistas e caçadores de erros

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Lançada nos Estados Unidos no domingo (9.mar) e no Brasil nesta quinta-feira (13.mar) pelo canal National Geographic (22h30), a série Cosmos – Uma odisseia no espaço-tempo já começa sob críticas de caçadores de erros e ataques de contestadores da teoria da evolução. Inspirado na série Cosmos – Uma viagem pessoal, de 1980, idealizada e apresentada pelo astrônomo Carl Sagan (1934-1996), o novo programa tem como anfitrião o astrofísico e divulgador científico Neil deGrasse Tyson, diretor do Planetário Hayden, do Museu Americano de História Natural, e personalidade muito atuante nos meios de comunicação.

A nova série tem tudo para conseguir sucesso em audiência. Além de contar com a parceria do NatGeo com o canal Fox e com a rede educativa de TV PBS , a versão repaginada da iniciativa de Sagan tem efeitos especiais de grande impacto visual que não eram possíveis há 34 anos e um apresentador plenamente articulado com os recursos das novas tecnologias de comunicação.

No momento em que este artigo foi concluído, Tyson já contava com cerca de 935 mil seguidores em sua página no Facebook e com mais de 1,74 milhão no seu perfil no Twitter. Outra participação de importância midiática na equipe do programa é o produtor executivo Seth MacFarlane, um dos criadores de Family Guy (Uma Família da Pesada), que é sucesso desde 1999.

Jogo dos cinco erros

Como acontece com grande parte das iniciativas de popularização da ciência, Cosmos não poderia deixar de receber acusações de imprecisão. A crítica mais recente foi publicada nesta quinta-feira por Hank Campbell, co-autor do best-seller “Science Left Behind” (A Ciência deixada para trás), de 2012. Ele postou “Cinco coisas que deram errado com Neil de Grasse Tyson“, destacando no blog as frases “Qual é a precisão da ciência em Cosmos? Isso tem importância? Ela seria boa mesmo sendo ruim, como pizza?”

Ressalvando que reconhece em Tyson um espírito aberto a críticas como em Sagan, Campbell afirma que identifica quatro erros no o primeiro episódio da série, “De pé na Via Láctea”: a comparação da quentíssima atmosfera de Vênus com o efeito estufa da Terra, a menção aos multiversos ou múltiplos universos como se sua existência fosse uma verdade científica, a propagação de sons da fictícia espaçonave pilotada pelo apresentador e que são impossíveis na imensidão do espaço e, finalmente, a apresentação do filósofo e teólogo Giordano Bruno (1548-1600) com uma importância para a ciência maior do que a do astrônomo, físico e matemático Galileu Galilei (1564-1642).

E Campbell acrescenta um problema que afirma ser de “estilo”: não dá certo, segundo ele, apresentar os cerca de 14 bilhões de anos desde a explosão do Big Bang condensados nos 12 meses de um ano, fazendo com que cada dia nesse calendário seja equivalente a aproximadamente 40 milhões de anos.

Exageros

Campbell tem razão em suas quatro primeiras objeções, apesar de que podem até ser consideradas “licenças poéticas” as três escorregadelas iniciais sobre Vênus, os multiversos e o som que não se propaga no espaço. Mas ele exagera no que afirma ser uma objeção de estilo e parece procurar chifre em cabeça de cavalo quando afirma que escolha da explicação com a evolução Universo desde o Big Bang por meio da analogia com o calendário de 12 meses, onde a civilização humana aparece em uma fração do último segundo, se deve ao “ateísmo declarado” do produtor Seth MacFarlane.

Ou seja, o criador de Family Guy teria forçado a barra para usar um modelo que mal mostra o surgimento dos humanos para menosprezar o período que muitos interpretam como sendo  o da obra Criação de Deus. A menos que o objetivo não seja popularizar conhecimentos da ciência, não faz sentido rejeitar analogias como essa.

Galileu menosprezado

Mas, apesar de ter Tyson ter afirmado que Bruno não era cientista, o episódio tem uma longa animação dramatizada sobre o teólogo condenado à fogueira pela Inquisição e dá pouquíssima importância para Galileu, deixando de lado seus enfrentamentos científicos com as autoridades do saber eclesiástico de sua época. Nesse ponto Campbell está coberto de razão.

Em 1609, modificando um dispositivo óptico que aproximava a observação de objetos, construído no ano anterior por holandeses, Galileu construiu o telescópio, que teve esse nome a partir de 1611. Seu uso permitiu refutar a concepção de que a Terra estava no centro do mundo e de que todos os corpos celestes eram imutáveis e perfeitos, formados por éter, como havia afirmado Aristóteles (384-322 a.C.), em Sobre o Mundo e Sobre o Céu, e também Cláudio Ptolomeu (87-151 d.C.), em seus manuscritos Almagesto e Tetrabiblos.

A iniciativa de Galileu ultrapassou o âmbito da astronomia, não só por articular uma nova etapa na história do conhecimento, com a rejeição da autoridade da religião nas ciências naturais e a afirmação da autonomia do uso da observação, da experimentação e da superioridade do raciocínio demonstrativo matemático na busca da verdade sobre os fenômenos da natureza. Ele também superou a concepção teológica judaico-cristã de que o conhecimento era imutável e de que tudo o que existe e acontece já havia sido previsto por Deus no Gênesis. Nada seria novo, pois tudo o que se acrescentasse ao conhecimento somente confirmaria — e jamais modificaria — as eternas verdades bíblicas. Em outras palavras, acreditava-se que, aconteça o que acontecer, “não há nada de novo debaixo do sol” (Eclesiastes, 1,9).

Briga com criacionistas

No domingo, já antes da apresentação de seu primeiro episódio, a nova série já estava com os dias contados para não ter problemas com os criacionistas em geral e também com os adeptos do chamado design inteligente, que são opositores mais sofisticados à evolução das espécies por meio da seleção natural. Em entrevista à CNN, Tyson ouviu do jornalista Brian Stelter a pergunta sobre como intermediar a paz na “guerra contra a ciência”, referindo-se principalmente aos contestadores do aquecimento global.

O astrofísico respondeu que a imprensa tem a vantagem de não se prender ao ethos da ciência, baseado na discussão interna na comunidade acadêmica, mas que os jornalistas agem errado quando, para “ouvir o outro lado”, contrapõem afirmações científicas com opiniões não científicas. E, como destacou Jack Mirkinson no Huffington Post (10.mar), acrescentou:

Você não fala sobre a Terra esférica com a Nasa e, em seguida, diz “vamos dar tempo igual ao pessoal da Terra plana”. Além disso, a ciência não existe para você agir como ao escolher cerejas. (…) O bom da ciência é que ela funciona com você acreditando ou não nela.

Não demorou para surgirem manifestações criacionistas, como o artigo “Neil deGrasse Tyson: velho produto, nova embalagem“, no site do Instituto Discovery. Aqui no Brasil, defensores da teoria do design inteligente, inclusive membros da comunidade científica, já conversam por e-mails para articular uma reação.

Atuação da imprensa

Tyson tem razão quando afirma que não é correto tentar equilibrar posições científicas com opiniões religiosas, como fazem muitas vezes os meios de comunicação quando o contexto da notícia é o conhecimento. Por outro lado, jornalistas especializados em ciência muitas vezes agem como se não existissem pesquisadores que contestam a teoria da evolução e apresentam argumentos para isso. É o caso, no Brasil, de Marcos Eberlin, professor do Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) com um currículo respeitado internacionalmente na área de espectrometria de massas, que defende que a probabilidade de a vida ter surgido na Terra é um número que excede toda a probabilidade do universo.

Mesmo no âmbito das discussões com base em critérios científicos, as chances de algum diálogo entre darwinistas e antievolucionistas são praticamente nulas, pois muitos de ambos os lados já partiram há tempos para provocações e xingamentos. De minha parte, penso que sempre se deve aplicar o preceito do filósofo britânico John Stuart Mill (1806-1873) destacado, em um contexto completamente diferente do tema presente, pelo jornalista Hélio Schwartsman em sua coluna na Folha de S. Paulo, na terça-feira (11.mar):

(…) mesmo os piores preconceitos precisam ter sua circulação assegurada, a fim de que as ideias verdadeiras sejam submetidas à contestação e triunfem. Se não for assim, elas próprias serão percebidas como simples preconceitos, sem base racional.

Seja como for, vale a pena assistir Cosmos.

PS — Acabo de ser informado (14h30) que a emissora afiliada da Fox em Oklahoma teria censurado, substituindo por uma inserção de publicidade própria, um trecho de aproximadamente 15 segundos no primeiro episódio. O trecho, que seria justamente aquele, acima mencionado, dos últimos segundos do calendário em que aparece a espécie humana, teria a seguinte fala de Nei deGrasse Tyson:

Somos recém-chegados ao Cosmos. Nossa própria história só começa na última noite do ano cósmico. Três milhões e meio de anos atrás, nossos ancestrais, o seu e o meu, deixaram esses rastros. Nós nos levantamos e nos separaramos deles. Uma vez que estávamos sobre dois pés, nossos olhos já não estavam mais fixados no chão. Agora, éramos livres para olhar para cima e para admirar.

A informação é do site de notícias The Raw Story com base no vídeo abaixo postado no YouTube.

Pesquisador que revelava fraudes científicas vive receio de ações judiciais e retaliações

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Paul-Bookes

Pouco mais de um ano após ter sua identidade descoberta e de ter encerrado suas atividades sob anonimato em seu blog Science Fraud, o pesquisador britânico Paul Brookes, do Centro Médico da Universidade de Rochester, no estado de Nova York, vive sob a ameaça de ações judiciais e sob o risco de retaliações nas avaliações de seus pedidos de financiamento para pesquisas. Além disso, ele tem também evitado proferir palestras fora da cidade onde trabalha, conforme declarou em entrevista à Science Careerspublicada ontem (segunda-feira, 10.mar).

Durante cerca de seis meses de atuação com o blog, apresentando-se sob o pseudônimo “Fraudster” (fraudador), Brooks apontou 275 trabalhos publicados em revistas especializadas como envolvidos em más-condutas científicas. Devido a essa exposição, 16 estudos passaram por investigações que terminaram em retratações e outros 41 foram corrigidos.

Em 3 de janeiro do ano passado, Brookes reconheceu no próprio blog ser o seu ator e deletou todos os seus posts. Ele fez isso porque no dia anterior vários dirigentes de sua universidade, inclusive o reitor, receberam e-mails de pesquisadores — autores de trabalhos que ele havia investigado e apontado como irregulares — que pediam a abertura de processo administrativo.

Leitura obrigatória

Science-Fraud_2012-10-04

Página de abertura do blog Science Fraud (em 4.out.2012), usado anonimamente até janeiro de 2013 pelo pesquisador britânico Paul Brookes, da Universidade Rochester, nos Estados Unidos. A página mostra uma imagem de experimento de laboratório que teria sido adulterada e usada em um artigo publicado em uma revista científica

Science Fraud fez sucesso rapidamente. Chegou a ser considerado leitura obrigatória por acadêmicos e editores interessados em problemas na comunicação científica. O monitoramento de investigações sobre estudos com suspeitas de irregularidades já vinha antes sendo realizado por outro blog, o Retraction Watch, ao qual se referiu Brooks na página de seu blog sobre seu objetivo:

Atualmente essas suspeitas têm sido muitas vezes relatadas em blogs como o Retraction Watch. Mas é necessário também um site com foco neste tipo de discurso. [Science Fraud] visa proporcionar um catalisador de novas investigações por parte das autoridades reguladoras e das revistas científicas. Muitos editores dessas publicações ignoram e-mails de acusadores anônimos.

Primeiro, uma enquadrada

Em resposta às mensagens de pesquisadores que exigiram instauração de processo interno, os administradores de Rochester fizeram vários questionamentos a Brookes. Segundo ele, uma das preocupações principais da universidade era se sua dedicação à atividade de pesquisar casos de procedimentos irregulares, avaliá-los e publicá-los em seu blog não teria prejudicado o tempo que deveria empregar no trabalho pelo qual ele era pago pela instituição.

O outro foco dos questionamentos era se o pesquisador teria usado recursos de seu laboratório em sua dedicação ao blog. Com isso, além de silenciar o Science Fraud, o primeiro contra-ataque dos reclamantes teve também como resultado fazer a reitoria verificar se ela teria fornecido ao Fraudster tempo remunerado  e meios para sua atividade como blogueiro. Em outras palavras, eles fizeram a universidade dar uma enquadrada nele.

Depois, as ameaças

Brookes afirmou na entrevista que, apesar de os dirigentes universitários não terem gostado de sua conduta, a administração teve uma atitude muito aberta ao entendimento dos fatos. Ele disse que conseguiu fazer a instituição compreender que nunca havia ultrapassado 12 horas de atividade por semana para o blog e que quase todo esse tempo teria sido despendido em sua residência. No final das contas, ele não teve problemas com seu emprego.

Nenhuma das ameaças de processo judicial contra ele se concretizou, mas pelo menos seis delas se tornaram riscos potenciais que, segundo Brookes, exigem que ele tenha despesas permanentes, de seu próprio bolso, com um advogado. Ele disse na na entrevista:

(…) ainda estou preocupado. Estou com 41 anos, portanto tenho mais 25 anos pela frente antes de me aposentar. Preciso continuar recebendo suporte financeiro para publicar artigos e, obviamente, se há pessoas lá fora que estão com raiva de mim, então talvez elas avaliem maldosamente meus financiamentos, talvez elas revisem maldosamente meus papers. O potencial de retaliação existe e não há, realmente, nenhuma maneira de contornar isso.

Palestras canceladas

Brookes disse na entrevista à repórter Elisabeth Pain que chegou a cancelar viagens que ele havia agendado para proferir palestras em cidades onde trabalham autores de estudos que foram criticados por ele no Science Fraud. Ele não pode, afirmou, correr o risco de ser colocado em situações com possibilidade de originar processos judiciais em outras localidades, exigindo novas despesas com advogados e com custos adicionais de viagem e até de hospedagem.

A aventura anônima custou caro para o jovem pesquisador, que aprendeu na pele que o anonimato na internet é cada vez mais fadado ao fracasso. Em resposta a uma pergunta da repórter, ele disse que deveria ter sido mais cauteloso, não só evitando postar comentários anônimos em outros blogs — que sempre registram o IP dos comentadores —, mas também sendo menos ácido em suas postagens.

Meritocracia

A pedido da entrevistadora, o ex-blogueiro fez também um conselho não só a pesquisadores em início de carreira, mas inclusive para acadêmicos em pós-doutorados, que, segundo ele, reclamam de serem muitas vezes coagidos por seus superiores a maquiarem os resultados de seus experimentos: recusem essas pressões e guardem bons registros.

Brookes afirma que não desistiu de retomar a atividade de observação de más-condutas científicas, mas que o fará com mais cautela e de forma não provocativa. E acrescentou que isso deve ser feito porque o sistema acadêmico é uma meritocracia, na qual o mecanismo de recompensas deve ser baseado na realidade.

Presença incômoda

Brookes disse ter angariado a simpatia de muitos que acompanhavam seu blog e até de seus colegas mais próximos. Mas, se ele retomar realmente sem anonimato o trabalho que desenvolvia no Science Fraud, ele certamente será visto como uma presença incômoda, até mesmo por aqueles que não se envolvem em más-condutas científicas. Se assim o fizer, ele será “o tipo de homem que o mundo finge reverenciar, mas na verdade despreza”, como disse o corrupto Viktor Komarovsky, personagem do filme Doutor Jivago, referindo-se a um jovem revolucionário e idealista.

Aqui no Brasil, onde a compreensão distorcida de direitos que se sobrepõem a deveres já contaminou profundamente o ambiente acadêmico, as afirmações do jovem pesquisador de Rochester sobre meritocracia com certeza provocariam rejeições ainda mais pesadas contra ele.

STF reconheceu em 1979 autonomia que universidades querem pedir ao MEC

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A autonomia que os reitores das universidades federais brasileiras pretendem garantir por meio de lei já foi reconhecida por unanimidade pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 1979, em pleno regime militar e antes da Constituição de 1988. A proposta de envio de projeto de lei ao Congresso Nacional deverá ser apresentada ao Ministério da Educação pela  Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), informou o repórter Victor Vieira ontem (10/mar), em reportagem no jornal O Estado de S. Paulo.

Para os dirigentes das universidades federais, diz a reportagem, não existe “na prática”  a autonomia prevista no artigo 207 da Constituição Federal, cujo caput estabelece:

As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Briga na Justiça

Em 1974 a USP (Universidade de São Paulo) decidiu recorrer à Justiça quando seus remanejamentos de recursos orçamentários foram rejeitados pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), para o qual esses ajustes deveriam ter sido previamente aprovados pelo governo do estado. A universidade perdeu em todas as instâncias até o processo chegar ao STF em 1979. Foi quando o plenário aprovou por unanimidade o relatório do ministro Pedro Soares Muñoz, que destacou as seguintes palavras do parecer do jurista Caio Tácito:

Subordinar cada uma dessas mutações internas das despesas de custeio à aprovação do governador do Estado, como decorrerá da exegese esposada pelo Tribunal de Contas do Estado, é condenar a USP a uma subordinação intolerável, jungindo-a em atos comezinhos de sua economia ao alvedrio do Poder Executivo. Será a mutilação ou a castração de sua autonomia, despojando-a de uma qualidade indispensável ao regular o eficaz funcionamento da universidade, ao arrepio da lei e do sistema federal do ensino superior.

Em 1999, onze anos após a Carta entrar em vigor, a autonomia das universidades foi comentada no estudo “Autonomia universitária na Constituição de 1988“, de Anna Cândida da Cunha Ferraz, professora da Faculdade de Direito da USP:

Consiste a autonomia administrativa universitária no poder de autodeterminação e autonormação relativos à organização e funcionamento de seus serviços e patrimônio próprios, inclusive no que diz respeito ao pessoal que deva prestá-los, e à prática de todos os atos de natureza administrativa inerentes a tais atribuições e necessários à sua própria vida e desenvolvimento. Tais poderes deverão ser exercidos sem ingerência de poderes estranhos à universidade ou subordinação hierárquica a outros entes políticos ou administrativos. Consiste, pois, na autonomia de meios para que a universidade possa cumprir sua autonomia de fins.

Alguém pode então dizer que “na prática”, as universidades federais poderão recorrer à Justiça para ter sua autonomia assegurada, caso a proposta da Andifes não seja acolhida pelo MEC, ou, se for, caso ela não seja aprovada pelo Congresso.  Mas nem essa briga essas instituições de ensino poderão provocar, pois elas são representadas judicialmente pela própria Advocacia Geral da União (portaria AGU nº 548, de 5.set.2013).

O outro lado da moeda

Antes que acadêmicos mais ousados comecem a fazer planos para a autonomia das universidades federais, é bom lembrar que esse princípio tem uma contrapartida que é a responsabilidade não só pela oferta de ensino de qualidade e por bom desempenho na pesquisa e na extensão de serviços à comunidade, mas também pela gestão eficiente de pessoal e de recursos orçamentários e financeiros.

No que diz respeito a essa contrapartida, são bem oportunas as palavras de outra docente da Faculdade de Direito da USP, Nina Ranieri, em seu estudo publicado em 2005 “Aspectos jurídicos da autonomia universitária no Brasil“:

O art. 207 da Constituição Federal, por sua vez, indica com precisão as esferas de atuação autônoma das universidades — didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial —, visando assegurar o cometimento de funções sociais específicas concernentes ao interesse geral, que podem ser sintetizadas no conhecido trinômio ensino/pesquisa/extensão. Do ponto de vista jurídico, é apenas e tão-somente em razão desse objetivo que a Universidade é autônoma e que, em função do mesmo, a autonomia deve ser exercida de forma responsável, eficiente e adequada aos objetivos nacionais e às referências socioculturais, econômicas e políticas da sociedade na qual se insere.
(…)
A compreensão da garantia constitucional nesse nível, entretanto, não está enraizada na tradição educacional brasileira. E a experiência tem demonstrado que a autonomia universitária, quando mal compreendida, reforça a tutela estatal, a irresponsabilidade institucional e os traços corporativos internos nas universidades, em detrimento das finalidades que devem alcançar.

Modelo paulista

Em São Paulo, a nova Constituição Estadual entrou em vigor em 1989 reafirmando em seu artigo 254 a autonomia universitária da Carta Federal. No mesmo ano, um decreto estadual estabeleceu o repasse mensal para a USP e também para a Unesp e a Unicamp com base em um percentual fixo sobre a receita líquida do ICMS. Hoje esse percentual é 9,57%, correspondente no orçamento do estado neste ano a R$ 11,7 bilhões.

Esse modelo faz das três universidades estaduais paulistas as únicas instituições de ensino superior do Brasil que efetivamente contam com a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial estabelecida pelo artigo 207 da Constituição Federal.

Boa notícia

No início deste ano, a USP esteve por vários dias no noticiário brasileiro por ter comprometido totalmente sua dotação orçamentária com folha de pagamento de professores e demais funcionários (ver neste blog “USP comprometeu orçamento para esvaziar greves“, 3.mar).

A proposta de autonomia da Andifes, segundo a reportagem do Estadão, começa a ser esboçada tendo como preceito o limite de 75% de dotação para despesas com pessoal. Se esse é ou não um percentual adequado, só o fato de ser proposto esse limite já é uma boa notícia.

Written by Mauricio Tuffani

terça-feira, 11/03/2014 at 0:08

Co-autor de pesquisa sob suspeita de fraude diz não saber que células usou

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Hoje surgiu mais uma notícia para abalar a credibilidade do recente anúncio de uma nova técnica para obter células-tronco e, com elas, facilitar o desenvolvimento de tratamentos de diversas doenças. Teruhiko Wakayama, da Universidade Yamanashi, no Japão, afirmou não ter certeza da procedência das células por ele usadas em laboratório, em um trabalho relatado por ele e por outros cientistas em dois artigos publicados em janeiro na revista científica britânica Nature.

“Não existe mais credibilidade quando existem tais erros cruciais”, disse Wakayama por e-mail ao jornal The Wall Street Journal. O pesquisador não entrou em detalhes sobre os erros sobre os quais comentou, segundo o repórter Alexander Martin. No entanto, segundo o jornalista, o cientista afirmou “Eu mesmo não sei o que usei em meus experimentos”, ao se referir às células que recebera da coordenadora da pesquisa, a bióloga Haruko Obokata, do Laboratório de Reprogramação Celular, vinculado ao Instituto Riken.

Retratação

A reportagem do WSJ informou também que Wakayama declarou ter pedido a Obokata a retratação pela publicação dos dois artigos científicos.

No dia 17 de fevereiro, a Nature divulgou em seu site que já teria iniciado uma averiguação sobre acusações de adulteração de imagens em um dos dois trabalhos desenvolvidos no Japão, ambos publicados na edição de 30 de janeiro, que anunciaram a reversão de células de diversos tecidos de camundongos para o estágio embrionário por meio de nada mais que um banho ácido.

Junto com essa notícia estava a promessa de dispensar os riscos e as complicações de técnicas que envolvem manipulação genética de vírus para desenvolver tratamentos de diferentes tipos de câncer e doenças como as de Parkinson, Alzheimer e outras. Restaria apenas reproduzir em humanos os resultados obtidos com cobaias.

Resultados não reproduzidos

Ao anunciar essa apuração, a Nature afirmou que já havia sido iniciada na semana anterior uma investigação sobre a pesquisa pelo próprio Instituto Riken. E ressaltou também o fato de que especialistas de outras instituições afirmaram não terem conseguido reproduzir em seus próprios laboratórios os resultados apontados nessa pesquisa.

Mais informações sobre esse assunto estão neste mesmo blog no post “A suspeita de fraude e o ‘sensacionalismo’ em revistas científicas“, de 28 de fevereiro.

Mais uma tentativa de negar a importância do carbono no aquecimento global

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Global-Warming

Um relatório divulgado na semana passada acusou cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática) de esconderem o que seria uma boa notícia: o clima global seria menos sensível ao aumento da concentração atmosférica de CO2 (dióxido de carbono) do que afirmam há décadas esses pesquisadores. Em outras palavras, a ciência estaria escondendo da humanidade a informação de que podemos ficar menos preocupados com a emissão de gás carbônico pela queima de carvão e de outros combustíveis, pois esse composto não seria o vilão doaquecimento global.

O relatório mal havia sido repercutido por alguns sites de notícias e blogs estrangeiros quando surgiram as primeiras constatações de que ele não passava de mais uma tentativa de desmoralização de todo o esforço iniciado há décadas para reduzir as emissões de carbono na atmosfera por meio da queima de carvão e outros combustíveis fósseis pelas indústrias, por usinas termelétrica e por veículos.

Pesquisadores ‘independentes’

Ainda era Quarta-Feira de Cinzas (5.mar) quando um leitor deste blog me enviou o link do press-release “Novo relatório: o clima é menos sensível ao CO2 do que sugerem os modelos“, distribuído pela Fundação da Política do Aquecimento Global (GWPF) , sediada em Londres, no Reino Unido. Esse material para a imprensa fornecia links para duas versões — um artigo completo e um sumário — do relatório “Um assunto sensível: como o IPCC enterrou boas notícias sobre o aquecimento global”. Os autores do estudo são o pesquisador britânico Nic Lewis, apontado no release como “cientista do clima independente”, e o jornalista científico dinamarquês Marcel Crok.

Segundo esse relatório, o IPCC teria deixado de divulgar dados que projetariam o aumento da temperatura média global terrestre até o final deste século oscilando entre 1,3°C e 1,4°C, o que estaria cerca de 2°C abaixo da média de 3,2°C divulgada pelo painel intergovernamental, como mostra o gráfico a seguir.

Adaptação de gráfico elaborado por Nic Lewis e Marcel Crock, que afirmam que a variação climática é menos sensível ao carbono do que os modelos do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática). A faixa azulada se refere à projeção de aumento de 1,3°C e 1,4°C na temperatura média global até o final do século, que, segundo os autores, se basearia em dados deliberadamente ocultados pelo IPCC, que aponta a variação média de 3,2°C referente à área alaranjada do gráfico

Adaptação de gráfico de Nic Lewis e Marcel Crock em “A Sensitive Matter: How The IPCC Buried Evidence Showing Good News About Global Warming”

Militantes anti-IPCC

Minhas primeiras buscas de mais informações sobre o assunto me deixaram com uma boa dose des desconfiança: a GWPF é uma fundação com um esforço concentrado em contestar a importância das emissões de carbono e combustíveis fósseis para o aquecimento global e os trabalhos anteriores de Lewis me pareceram ser um trabalho de militância negacionista do IPCC.

Deixei o assunto para o fim de semana, quando percebi que Greg Laden, bioantropólogo e divulgador científico dos Estados Unidos já havia posto os pingos nos is, desqualificando o relatório de Lewis e Crock com o post “Um novo relatório falso sobre mudança do clima“.

Laden mostrou que os dois autores haviam, na verdade, limitado sua tese a dados que o próprio IPCC havia registrado, mas o afirmaram desconsiderando toda uma série de outras evidências que necessariamente puxam para cima a faixa de variação média da temperatura projetada para o final do século.

Interesses não científicos

Os estudos do IPCC não são textos sagrados que não podem ser contestados. Existem, aliás, pesquisadores sérios que têm ressaltado a possibilidade de o aumento da temperatura média global desde o século 19 estar relacionada a fenômenos independentes da ação humana, como a variação da atividade solar. Mas é outra coisa querer negar a importância da redução da emissão dos chamados gases-estufa, que tem proporcionado, entre outros resultados, esforços para tornar a humanidade menos dependente do consumo crescente de energia, seja por meio de novas tecnologias, seja por meio da própria mudança de atitude por parte das pessoas e das instituições.

Curiosamente, essa corrente negacionista do IPCC e autodenominada “independente”, no final das contas, é em grande parte bancada por entidades ligadas ao setor energético, como é o caso da GWPF.

Para os que quiserem saber mais sobre o assunto, copio a seguir alguns links. Os quatro primeiros são sugeridos por Greg Laden:

Criacionistas manipulam crítica a ‘escravidão de pós-graduandos’ e a revistas científicas

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Página do blog Evolution News and Views, publicado pela entidade criacionista Instituto Discovery, dos Estados Unidos

Eu já previa os tipos de oportunismos que poderiam pegar carona nas pesadas declarações do geneticista Sydney Brenner contra instituições acadêmicas e publicações científicas, quando as repercuti em meu post de anteontem (quarta-feira, 5/mar). Mas confesso que fui surpreendido depois, ao constatar que na véspera de minha postagem o blog criacionista  Evolution News and Views já havia se apropriado das críticas desse cientista para advogar teses contrárias à teoria da evolução de Charles Darwin.

Brenner, de 87 anos, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2002, e um dos maiores nomes do mundo na biologia molecular, afirmou em entrevista publicada em 24 de fevereiro que as novas ideias na ciência são obstruídas por burocratas do financiamento de pesquisas, por professores que impedem seus alunos de pós-graduação de seguirem suas próprias propostas de investigação e por revistas de artigos científicos que empregam editores que, segundo ele, não passam de cientistas fracassados.

‘Incentivos preversos’

Mantido pelo Instituto Discovery, sediado em Seattle, nos Estados Unidos, o blog começa essa postagem manipuladora com o seguinte parágrafo, que é um primor de oportunismo.

No mundo atual da Big Science, a resistência a novas idéias sobre a evolução está enraizada em parte na ideologia, em parte em preocupações sobre o status pessoal e em parte na natureza da indústria da pesquisa contemporânea, com seus incentivos perversos para aderir à ortodoxia. E essa indústria é objeto de observações sinceras do geneticista Sydney Brenner,  um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 2002, na revista The King’s Review, da Universidade de Cambridge. Ele não estava falando sobre a evolução, mas estamos livres para aplicar o que ele diz conforme for apropriado.

Aspas e enxertos

Poupo os leitores da apresentação de mais detalhes sobre esse post horroroso. Não por ele ser de criacionistas, pois respeito convicções diferentes das minhas (e tenho amigos que são cientistas sérios e rejeitam a teoria da evolução de Darwin). Mas pela manipulação excessiva, com aspas — que servem mais para apontar do que para citar — em torno de palavras ditas por Brenner e enxertadas em asserções que advogam o chamado Design Inteligente, para o qual na natureza não ocorre a seleção natural das espécies, mas um processo guiado por um planejamento prévio.

Talvez o mais ridículo de toda essa manipulação tenha sido a escolha de tags para um post sobre a entrevista de Brenner: “Evolução”, “Design Inteligente… Por causa disso, também tenho de usá-las aqui

No final das contas, e isso é o que mais importa, o oportunismo desse blog que nem oferece espaço para comentários em seus posts é mais uma lição para grande parte dos acadêmicos, que preferem silenciar sobre declarações como as de Brenner,. E, por isso, acabam deixando terreno livre para apropriações indevidas.

Bom final de semana!

Nasa fabrica notícias de asteroides para conseguir dinheiro

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Nasa-Asteroid

Nas últimas semanas, parece que se tornou maior o risco de a Terra ser atingida por um asteroide de tamanho suficiente para provocar uma catástrofe como aquela que há cerca de 65 milhões de anos provocou a extinção dos dinossauros. Na verdade, não houve aumento da presença dessas enormes rochas espaciais. O que houve foi o aumento de notícias sobre esses objetos. E esse aumento foi promovido na imprensa internacional pela Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. O motivo é dinheiro.

Em fevereiro, dois asteroides estiveram nas imediações de nosso planeta, um deles com cerca de 100 metros de comprimento, tamanho insuficiente para ser considerado ameaçador. Ontem (quarta-feira, 5/mar) outro, ainda menor, de 30 metros, virou notícia. E hoje três especialistas da agência espacial estarão disponíveis a partir das 16h00 (horário de Brasília) para responder pela internet perguntas do público sobre o que são essas rochas que viajam pelo espaço, qual é a ameaça que elas trazem e o que pode ser feito para impedir que elas se colidam com a Terra. E o que pode ser feito cabe à Nasa, que está empenhada em conseguir com o governo mais recursos para seus programas bilionários.

Estratégia de comunicação

A proposta de orçamento para 2015 apresentada pela Nasa para o governo é US$ 17,5 bilhões, quantia 0,5% menor que os US$ 17,6 bilhões de 2014. A agência solicitou especificamente US$ 133 milhões para sua Missão de Redirecionamento de Asteroides. No entanto, a Casa Branca sabe que essa iniciativa implica despesas diluídas em outros programas, e com aumentos para os anos seguintes. É o caso do Ciência Planetária, que prevê US$ 1,280 bilhão no ano que vem com acréscimos anuais que chegam a US$ 1,374 bilhão em 2019, assim como o programa Desenvolvimento de Sistemas de Exploração, orçado em US$ 2,784 bilhões para 2015, chegando a US$ 3,107 bilhões em 2019.

A estratégia de comunicação da Nasa para sensibilizar os cidadãos dos Estados Unidos não se restringe à missão de prevenção de asteroides. A preocupação da agência se estende a todo o seu orçamento, como mostra o vídeo a seguir.

A Missão de Redirecionamento de Asteroides se baseia na mesma estratégia mostrada no filme Armageddon, de 1998, no qual uma equipe comandada por Bruce Willis coloca uma bomba atômica em um cometa que rumava em direção a Terra para explodi-lo em pedaços menores que se desviariam de nosso planeta ou se desintegrariam ao penetrar na atmosfera. (Para mais detalhes, recomendo a leitura de “Bombas atômicas contra asteroides“, do blog Mensageiro Sideral, de Salvador Nogueira.)

Passagens frequentes

As passagens de asteroides pelas imediações da Terra não são acontecimentos extraordinários. “Esses eventos ocorrem frequentemente. E o acompanhamento deles se tornou mais preciso nos últimos anos com o desenvolvimento da tecnologia”, afirmou a este blog o astrônomo Othon Winter, professor do campus de Guaratinguetá da Unesp.

Também chamado pela sigla NEO (near Earth object, que em inglês significa objeto próximo da Terra), um asteroide ou cometa é considerado potencialmente perigoso pela Nasa se tem mais de 150 metros de diâmetro ou de comprimento. Isso significa que, para sensibilizar a opinião pública para a necessidade de investir em seu programa de prevenção de NEOs, os exemplos usados na divulgação recentemente realizada pela agência espacial foi algo semelhante a noticiar a ação de ladrões de galinhas para justificar a compra de armamentos pesados para a polícia.

Sensacionalismo

Para complicar, a Nasa tem um histórico recente de sensacionalismo na divulgação de notícias de seus feitos para dar a eles maior impacto na opinião puública. Em 1996 a agência exagerou as expectativas de alguns de seus cientistas sobre a possibilidade de haver vestígios de supostas bactérias em um meteorito marciano que caíra na Antártida há cerca de 13 mil anos. Em dezembro do ano seguinte, um estudo publicado na revista Nature desmentiu a notícia. Em 2000, foi a vez de outro desmentido, o da descoberta de água em Marte. Nas duas ocasiões a agência estava em campanha para conseguir mais recursos do governo.

Apesar de todos esses exageros, é preciso investir os recursos que forem realmente necessários para garantir uma iniciativa como a Missão de Redirecionamento de Asteroides, seja ela realizada só pelos Estados Unidos ou em parceria com outros países.  Até o final de fevereiro deste ano, foram identificados 10.759 NEOs pela Nasa. Desse total, 1.456 foram classificados como potencialmente perigosos, sendo que 866 deles com mais de um quilômetro de diâmetro ou comprimento.

Enfim, o risco de um cometa ou um asteroide se chocar contra nosso planeta e acabar conosco não está maior do que já estava. Mas não é nada razoável não temosr um aparato de defesa para ameaças contra toda a população terrestre. Difícil vai ser convencer muita gente de não investir a parte que cabe a esse programa em saúde, educação ou assistência social.

Cientistas escravizam pós-graduandos e obstruem a ciência, diz Nobel de Medicina de 2002

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Sydney Brenner,  um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 2002

As novas ideias na ciência são obstruídas por burocratas do financiamento de pesquisas e por professores que impedem seus alunos de pós-graduação de seguirem suas próprias propostas de investigação. E há revistas de artigos científicos que estão corrompendo a ciência, pois empregam editores que não passam de cientistas fracassados que atuam de modo semelhante ao dos agentes do Departamento de Segurança Interna dos EUA e são pequenos ladrões do trabalho alheio. Quem diz isso é um do maiores nomes da biologia molecular, o sul-africano Sydney Brenner, de 87 anos, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2002, em uma entrevista publicada em 24 de fevereiro pela revista eletrônica The Kings’s Review, do King’s College da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Brenner recebeu o Nobel de Fisiologia e Medicina de 2002 com outros dois colegas por suas descobertas sobre o mecanismo de regulação genética do desenvolvimento de organismos e da morte das células. Formado em medicina na Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, ele se doutorou em química na Universidade de Oxford, no Reino Unido, país onde trabalhou no Laboratório de Biologia Molecular, em Cambridge, com Francis Crick (1916-2004), um dos descobridores da estrutura e do funcionamento do DNA. Depois de se aposentar, Brenner se vinculou ao Instituto Salk para Estudos Biológicos, em La Jolla, na Califórnia, nos Estados Unidos.

Ia ser só uma homenagem

A entrevista em que Brenner fez suas declarações bombásticas havia sido pautada inicialmente para ser uma homenagem a outro cientista com o qual ele havia trabalhado, o bioquímico britânico Frederick Sanger (1918-2013), premiado com o Nobel em 1958 e também em 1980, que havia morrido em novembro do ano passado.

Seguem alguns dos trechos mais quentes da longa entrevista.

A biologia obteve seu principal sucesso por meio da importação de físicos, que entraram em campo sem saber nada de biologia, e eu acho hoje que isso é muito importante.
(…)
Acredito firmemente que a única maneira de incentivar a inovação é dá-la para os jovens. Os jovens têm a grande vantagem de serem ignorantes. Porque acho que a ignorância em ciência é muito importante. Se você é como eu, sabe muito bem que não pode tentar coisas novas. Eu sempre trabalho em campos nos quais eu sou totalmente ignorante.
(…)
Hoje os americanos desenvolveram uma nova cultura na ciência baseada na escravidão dos estudantes de pós-graduação. Agora os estudantes de pós-graduação de instituições americanas estão com medo. Ele [o pós-graduando] apenas executa. Ele deve executar. O pós-doc é um trabalhador contratado. Agora temos laboratórios que não funcionam da mesma forma como os primeiros laboratórios onde as pessoas eram independentes, onde elas poderiam ter suas próprias idéias e persegui-las.
(…)
Mas hoje não há nenhuma maneira de fazer isso sem dinheiro. Essa é a dificuldade. Para fazer ciência é preciso ter suporte. Hoje, os apoiadoores, os burocratas da ciência, não querem correr riscos. Portanto, para apoiar alguém, eles querem saber desde o início como ele vai trabalhar. Isto significa que você precisa ter informações preliminares, ou seja, que você é obrigado a seguir o caminho estreito e apertado.
(…)
Acho que a revisão por pares está obstruindo a ciência. Na verdade, acho que ela se tornou um sistema completamente corrompido. É corrupto em muitos aspectos, como no fato de cientistas e acadêmicos deixarem para os editores dessas revistas a competência de fazer juízo sobre a ciência e os cientistas. Há universidades nos Estados Unidos, e eu ouvi isso de muitos comitês, que não vão considerar as publicações das pessoas em revistas de baixo fator de impacto.
(…)
Em outras palavras, [essa cultura] coloca o julgamento nas mãos de pessoas que realmente não têm nenhuma razão para exercer juízo em tudo. E isso tudo foi feito com a auda do comércio, porque eles são agora organizações gigantes que estão fazendo dinheiro com isso.
(…)
E todo mundo trabalha para essas revistas para nada. Não há nenhuma compensação. Não há nada. Elas recebem tudo de graça. Elas só têm de empregar um monte de cientistas fracassados, os editores, que são como o pessoal [do Departamento] da Segurança Interna, pequenos ladrões de energia em sua própria esfera.
(…)
Se você enviar um PDF de seu próprio paper a um amigo, então [para as revistas que cobram pelo acesso a seus artigos] você está cometendo uma infração.

Brenner certamente erra ao fazer afirmações genéricas que, em princípio, atingem não só todos os orientadores de pós-graduandos, mas também todos os periódicos e seus editores. Não é possível que toda a produção científica esteja contaminada da forma apontada por ele. Mas suas acusações não podem ser varridas para baixo do tapete. 

Pouca repercussão

As afirmações de Brenner à King’s Review tiveram pouca repercussão. O blog Retraction Watch, que monitora as retratações de publicações científicas, publicou uma nota na segunda-feira (3/mar), mas seu tom foi muito mais suave do que o das palavras ditas por Brenner.

É habitual na comunidade científica um certo silêncio em situações constrangedoras provocadas por integrantes em idade avançada. Um silêncio que por parte de uns funciona não só como uma demonstração de respeito pela carreira, mas também, por parte de outros, como um certo desdém do tipo “isso não passa de excentricidade de celebridade que já deveria estar de pijama”.

Corda em casa de enforcado

Mas certamente Brenner não está só. Essa mesma cultura que ele acusa de ser corrupta é dissecada impiedosamente pelo norte-americano Lindsay Waters, editor de humanidades da Harvard University Press, em seu livro Inimigos da Esperança: Publicar, perecer e o eclipse da erudição, publicado no Brasil em 2006 pela Editora Unesp. Para Waters, a relevância é um atributo que deixou de ser considerado na produção acadêmica contemporânea, dando lugar à competência para produzir mais, publicar mais, substituindo a qualidade pela quantidade. Segundo Waters (pág. 53),

Uma certa timidez permeia o mundo acadêmico no momento. A sabedoria de hoje diz: ‘não formule grandes questões; não pergunte por que as coisas são como são’.

Passados 10 dias desde a publicação online dessa entrevista, não é por menos o silêncio sobre ela na internet por parte de publicações científicas. A situação se aplica perfeitamente à máxima segundo a qual não se fala sobre corda em casa de enforcado.

PS — O parágrafo situado imediatamente antes do intertítulo “Pouca repercussão” foi introduzido hoje (quarta-feira, 5/mar) às 16h57, quando constatei que eu o havia suprimido acidentalmente durante a edição do texto. Não houve nenhuma reclamação de leitores, mas poderia ter havido. Afinal, embora eu não tenha endossado as afirmações genéricas de Brenner, a falta de uma relativização acabaria dando ao leitor a impressão de minha concordância com elas. Peço desculpas pelo descuido.

PS 2 — Dois dias depois da publicação do texto acima, este blog voltou ao tema com o post “Criacionistas manipulam crítica a ‘escravidão de pós-graduandos’ e a revistas científicas“.

PS 3 — Leia também neste blog “Pesquisador que revelava fraudes científicas vive receio de ações judiciais e retaliações” (12.mar)

Está na hora de comparar rankings universitários

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Ranking-Alto

Os rankings sobre o ensino superior se tornaram cada vez presentes no noticiário, e já começaram há alguns anos a apresentar colocações muito diferentes para universidades e faculdades. Com isso já está mais do que na hora de começar a comparar essas classificações, de modo a facilitar a compreensão de seus métodos e critérios.

No ano passado, por exemplo, a USP ficou no 43ª lugar na classificação do Webometrics Ranking Web of World Universities. Ontem a mesma universidade foi anunciada em oitavo lugar no Top Universities, da instituicão de pesquisa educacional Quacquarelli Symonds.

A principal razão para a discrepância está no fato de que o primeiro levantamento se baseia na exposição que as instituições alcançam na internet, enquanto a outra classificação se baseia na produção de trabalhos científicos e outros indicadores acadêmicos e abrangeu apenas as universidades emergentes do Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Na versão referente à área de ciências agrárias e florestais, por exemplo, a Unicamp (Universidades Estadual de Campinas) ficou classificada como a 22ª melhor do mundo, seguida no Brasil pela USP, em 27º lugar, e pela Unesp (universidade Estadual Paulista), na 50ª posição.

Esses levantamentos sobre o desempenho de universidades e faculdades se baseiam geralmente em indicadores sobre trabalhos científicos publicados em periódicos internacionais, citações desses trabalhos por outros estudos, pesquisadores com maior número de publicações, desempenho na formação de estudantes de graduação e pós graduação e até mesmo dados de pesquisas de satisfação de pais e alunos. Mas suas metodologias e critérios acabam quase sempre produzindo resultados muito diferentes na classificação das instituições.

Novidade da China

No Brasil, já havíamos começado a nos habituar com esse tipo de classificação do ensino superior no século passado, a partir dos anos 1980, com o ranking que periodicamente era divulgado por uma revista masculina, a Playboy. Mas em 2003 surgiu uma novidade chinesa que teve repercussão internacional, o Academic Ranking of World Universities (ARWU), da Universidade Shanghai Jiao Tong.

Em 2004, o grupo editorial do jornal britânico The Times lançou o Times Higher Education (THE). Nesse mesmo ano, o Conselho Superior de Investigações Científicas da Espanha lançou o Webometrics Ranking of World Universities, que se baseia na divulgação de trabalhos acadêmicos pela internet. Na Holanda, o CWTS Leiden Ranking foi criado em 2008 pela Universidade Leiden.

Carreira solo

Em 2009, o centro de pesquisas britânico Quacquarelly-Symonds (QS), que desde 2004 fornecia dados para o Times Higher Education, passou a fazer “carreira solo” com seu próprio ranking, e o THE passou a trabalhar com informações da base de dados Thomson Reuters. Mais recentemente, a QS lançou o Top Universiities, cuja edição de 2013 foi anunciada ontem.

Entre os demais rankings que surgiram depois, destaca-se no Brasil o Ranking Universitário Folha, que para os brasileiros trouxe a oportunidade de ter um levantamento com metodologia e critérios mais adequados para a comparação entre as instituições de ensino superior do país.

Campanhas publicitárias

Os rankings que envolvem o ensino superior já fazem parte há alguns anos do calendário de divulgação de universidades e faculdades. Essas informações interessam não só para grande parte da população, que cada vez mais vê a formação universitária como um caminho para melhor qualificação profissional, mas também para as próprias instituições ranqueadas.

Para as universidades e faculdades, além de os dados sobre suas colocações poderem servir para elas aperfeiçoarem seu desempenho no ensino e na pesquisa, eles servem também para a captação de recursos e a apresentação de indicadores de desempenho acadêmico e, no caso das particulares, para campanhas publicitárias.

Novos rankings?

Por envolverem expectativas da sociedade e das próprias instituições classificadas, os rankings sobre o ensino superior costumam interessar também para a imprensa e para os departamentos de marketing das universidades e faculdades. Ao serem levados para o conhecimento do público em geral, os dados desses rankings passam por uma tradução que, na linguagem da comunicação, envolve geralmente uma semelhança com os pódios e premiações esportivos. Desse modo, aquela informação que já era de interesse geral passa a ser mais atrativa.

Desse modo, a elaboração de rankings passou a ser também uma atividade geradora de recursos, tanto para instituições com fins lucrativos como para entidades públicas que buscam recursos para manter ou ampliar seus projetos. Desse modo, novos rankings devem surgir nos próximos anos. Ou, quem sabe, comecem a acontecer fusões e aquisições nesse setor.

Para saber mais

Deputado contrário a testes com animais assume Comissão de Ciência da Câmara

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Opositor de longa data à realização de experiências científicas com animais vivos, o deputado federal Ricardo Trípoli (PSDB-SP) foi eleito nesta quarta-feira presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Se, por um lado, a escolha agradará defensores dos direitos dos animais, ela certamente desagradará lideranças da comunidade científica que argumentam não haver como substituir seres vivos em pesquisas para tratamento de doenças.

Em rápida entrevista por telefone a este blog no início desta tarde, Trípoli afirmou que não vê problema com eventuais controvérsias sobre direitos dos animais com alguns setores da comunidade científica. “Sou um parlamentar completamente aberto ao diálogo e ao debate em torno de ideias”, disse o parlamentar. “O problema que considero mais complicado e delicado é o risco do controle das comunicações pelo poder público, cerceando direitos fundamentais da cidadania. Essa é uma grande ameaça a todo tipo de debates”, arrematou o tucano ambientalista.

Além do desenvolvimento científico e tecnológico, da política nacional de ciência e tecnologia e organização institucional do setor e acordos de cooperação com outros países e organismos internacionais, a área de atuação temática da CCTCI envolve também meios de comunicação social, liberdade de imprensa, produção e programação das emissoras de rádio e televisão, política nacional de informática e automação e de telecomunicações e regime jurídico das telecomunicações e informática.

Eduardo Gomes (SDD-TO), que havia tentado articular sua escolha para ela presidência da CCTCI, foi eleito vice-presidente.

Written by Mauricio Tuffani

quarta-feira, 26/02/2014 at 16:51

Amazônia desmatada já é o triplo da área de SP

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Devastação florestal acumulada na região dobrou entre 1988 e 2013, alcançando uma extensão equivalente também à metade do estado do Amazonas e ao triplo do Reino Unido.

Na semana passada, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que os desmatamentos na Amazônia brasileira de agosto de 2013 e janeiro de 2014 caíram 19% em relação ao mesmo período de 2012 a 2013. Baseada em dados do sistema Deter (Desmatamento em Tempo Real), que são obtidos por satélites para apoiar ações de fiscalização e controle de degradações de diversos tipos, essa boa notícia não vale para Mato Grosso, onde a devastação aumentou, como bem destacou o jornalista Marcelo Leite em seu comentário “Mato curto e grosso“, na edição de domingo da Folha de S. Paulo.

Mas outra má notícia sobre a Amazônia é a da extensão de seu desmatamento acumulado, que passou de 377,6 mil km2 em 1988 para 759,2 mil km2 em 2013. Essa superfície corresponde aproximadamente à metade do estado do Amazonas (1,57 milhão de quilômetros quadrados) e ao triplo da área do estado de São Paulo (248,2 mil km2), que é pouco maior que a do Reino Unido (243,1 mil km2).

Divulgação seletiva

Esses dados de desmatamentos acumulados não têm sido anunciados pelo governo, mas podem ser obtidos do sistema Prodes (Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite). Realizado sistematicamente desde 1988 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), esse sistema também emprega imagens de satélites, mas detecta apenas desflorestamentos do tipo “corte raso”, e não de devastações de diversos tipos, como as registradas pelo Deter.

Apesar de sua magnitude, o desmatamento bruto acumulado da Amazônia não tem sido divulgado pelo governo, a não ser em séries anuais que começam em 1988, mas sem mostrar sua situação naquele ano. O dado de 377,6 mil km2 está no relatório do Prodes de 1990-1991.

Tempos agitados

Em 1988 foram concluídos os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, iniciados no ano anterior. A devastação da Amazônia se intensificou nesse período, pois estavam sendo construídos princípios constitucionais para fortalecer a legislação ambiental, inclusive com previsão de sanções penais e ações de responsabilização civil para danos ao meio ambiente. Naqueles anos, cosmonautas soviéticos a bordo da estação espacial Mir ficaram impressionados com as grandes queimadas amazônicas que eram visíveis para eles a olhos nus. Muitas delas ocorreram em áreas agrícolas, mas o próprio Inpe reconheceu que 40% da extensão atingida por esses incêndios era coberta por florestas.

Acusações de omissão em relação à Amazônia, feitas por governantes de outros países e por entidades internacionais, puseram o governo brasileiro na defensiva. Os estudos sobre os desmatamentos da Amazônia até 1988 foram feitos em 1989, último ano da gestão do presidente José Sarney (PMDB). Foi um período muito complicado e tenso dessa linha de pesquisa no Brasil. Mas isso será assunto para outro artigo.

A suspeita de fraude e o ‘sensacionalismo’ em revistas científicas

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Já foi o tempo em que se podia dizer que os exageros na divulgação de novidades da ciência eram sempre provocados pela imprensa. A própria comunidade científica passou a ser geradora de sensacionalismos desde o final do século 20, quando algumas de suas publicações, os chamados periódicos, começaram a ser menos exigentes em relação à isenção e ao caráter crítico, não de seus artigos científicos, mas de suas reportagens e outros textos explicativos, que passaram a ser mais atrativos para a avidez da imprensa por notícias de impacto, especialmente por boas notícias para a saúde humana. Essa tendência foi um dos ingredientes da repercussão internacional, no final de janeiro, da pesquisa realizada no Japão que propunha uma técnica promissora para terapias com células-tronco e voltou a ser anunciada  nesta semana por estar sob investigação por suspeita de fraude.

Apesar do costume de se retratarem publicamente em relação aos seus artigos envolvidos em casos de fraudes, plágios e outros tipos de má-conduta científica — como mostra o monitoramento realizado pelo blog Retraction Watch —, os chamados periódicos praticamente nunca adotam o mesmo procedimento sobre o estardalhaço provocado por seus materiais elaborados para divulgação em paralelo para o público não especializado, inclusive e especialmente para a imprensa.

Acusações e investigações

Na segunda-feira, dia 17, a prestigiada revista científica britânica Nature divulgou em seu site que já teria iniciado uma averiguação sobre acusações de adulteração de imagens em um dos dois trabalhos desenvolvidos no Japão, ambos publicados na edição de 30 de janeiro, que anunciaram a reversão de células de diversos tecidos de camundongos para o estágio embrionário por meio de nada mais que um banho ácido. Junto com essa notícia estava a promessa de dispensar os riscos e as complicações de técnicas que envolvem manipulação genética de vírus para desenvolver tratamentos de diferentes tipos de câncer e doenças como as de Parkinson, Alzheimer e outras. Restaria apenas reproduzir em humanos os resultados obtidos com cobaias.

Ao anunciar essa apuração, a Nature afirmou que já havia sido iniciada na semana anterior uma investigação sobre a pesquisa pelo próprio Instituto Riken, ao qual pertence o Laboratório de Reprogramação Celular, onde trabalha a autora principal dos dois estudos, a bióloga Haruko Obokata, de 30 anos de idade. E ressaltou também o fato de que especialistas de outras instituições afirmaram não terem conseguido reproduzir em seus próprios laboratórios os resultados apontados nessa pesquisa.

Material para jornalistas

Na edição impressa de 30 de janeiro, que já estava disponível na versão online desde o dia anterior, foram publicados também, além dos dois trabalhos comandados por Obokata, outros dois textos, os quais serviram como subsídios didáticos para toda a divulgação realizada pela imprensa internacional: a reportagem: “Banho ácido oferece caminho fácil para células-tronco“, e o artigo opinativo “Potência desencadeada“, de autoria de Austin Smith, pesquisador do Instituto de Células-Tronco da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Textos como esses passaram a ser cada vez mais importantes para os jornalistas poderem entender melhor o que é relatado pelos cientistas nos chamados papers, que são os artigos científicos. Também em linguagem mais didática ou menos técnica que a dos artigos científicos, os artigos opinativos servem geralmente como subsídio para dar a posição isenta e independente de um especialista não envolvido com a pesquisa publicada.

Além do título e das primeiras frases, são poucos os trechos mais otimistas e pouco relativizadores dessa reportagem publicada na própria Nature em 30 de janeiro. Por outro lado, não faltaram no artigo opinativo de Austin Smith afirmações muito otimistas em relação à eficácia da técnica proposta nos dois estudos.

Divulgação otimista

É geralmente das próprias revistas científicas a responsabilidade final pelos títulos e subtítulos de suas reportagens e dos artigos opinativos sobre seus papers. No entanto, Smith certamente não teria o que reclamar do título “Potência desencadeada”. Para um especialista que, em princípio, não tem envolvimento com os dois trabalhos por ele analisados, seu texto é repleto de afirmações assertivas demais e sem as devidas ressalvas para a necessidade de os resultados serem reproduzidos em outros laboratórios, como mostra o trecho a seguir.

A descoberta inesperada de que um estímulo físico pode desencadear a reversão da diferenciação celular para um estado de potência irrestrita abre a possibilidade de obtenção de células-tronco específicas para tratamento de doenças por meio de um procedimento simples, sem manipulação genética. (…) No entanto, eles [Obokata e colegas] estabeleceram um novo princípio: um estímulo físico pode ser suficiente para desmembrar os circuitos de controle de genes e criar um estado ‘plástico’ do qual pode rapidamente ser desenvolvido um nível de potência antes inatingível.

Não se trata aqui de apontar desonestidade por parte de Smith. É possível até que ele realmente tenha acreditado na efetividade das alegações de Haruko Obokata e seus colegas. Não cabe, portanto, nenhuma exigência de explicação por parte dele, principalmente agora, por não haver ainda qualquer resultado das apurações em curso. Mas cabe certamente enfatizar que as coisas seriam muito melhores se a Nature e todos os periódicos tivessem e explicitassem seus critérios editoriais para publicar reportagens e opiniões de especialistas.

Lição esquecida

A pergunta que não quer calar, porém, é como foi possível o caso Okobata ter acontecido após o lamentável episódio que envolveu em 2004 outra consagrada revista, a Science, editada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). Naquele ano aconteceu a divulgação, também por meio de dois artigos nesse periódico, da falsa clonagem de células-tronco embrionárias humanas pelo sul-coreano Hwang Woo-suk, então professor da Universidade Nacional de Seul.

No âmbito da Science, o desfecho desse caso se deu com a “Retratação editorial”, assinada por Donald Kennedy, editor-chefe da revista, que fez uma breve síntese do relatório da auditoria da universidade, informou que os dois artigos de Hwang deveriam ser considerados inválidos e pediu desculpas pelo tempo que os revisores científicos “e outros” perderam avaliando os dois papers, assim como pelo tempo e pelos recursos que a comunidade científica gastou tentando reproduzir os resultados divulgados pela revista. (A revista mantém uma página com essa retratação e outros documentos em seqüência cronológica.)

Efeitos colaterais

Mas não houve nenhuma menção sobre o governo da Coréia do Sul, o qual, acreditando não só nos dois artigos publicados pela Science, mas principalmente na sua repercussão internacional turbinada pela estratégia midiática da revista, ter investido US$ 65 milhões no laboratório do pesquisador e reservado outros US$ 15 milhões do Ministério da Saúde e do Bem-Estar Social para a criação do Centro Mundial de Células-Tronco.

Uma coisa, e perfeitamente aceitável, é os periódicos entenderem que seus papers são mais importantes que suas reportagens e seus artigos opinativos. Outra coisa é uma revista científica agir como se esses dois gêneros textuais não passassem de meros instrumentos para manipular a imprensa e a opinião pública. É o que fazem parecer, no final das contas, algumas atitudes editoriais.

Fora, imprensa!

E, por falar em Hwang e na imprensa, vale lembrar de um dos episódios desse caso no final de 2005, quando o assunto estava fervendo, que foi registrado pelo jornalista Marcelo Leite em seu comentário “Células de decepção em massa“, na Folha de S. Paulo:

Nos mesmos dias em que pipocava o escândalo, um grupo de bambambãs da biotecnologia publicou uma carta no sítio http://www.sciencexpress.org defendendo, com palavras escolhidas a dedo, o afastamento da imprensa leiga. ‘Acusações feitas pela imprensa sobre a validade dos experimentos publicados na Coréia do Sul são, em nossa opinião, mais bem-resolvidos na comunidade científica’, escreveram os oito autores da correspondência. Entre eles estão Ian Wilmut e Alan Colman, dois dos “pais” da ovelha Dolly. (…) Na hora do oba-oba, a imprensa veio bem a calhar, pois ajudou a aprovar verbas para pesquisa. Na hora em que essa mesma imprensa lanceta o tumor, pedem que se afaste para que a comunidade científica enfim cumpra a sua obrigação, tendo já falhado uma vez.

Curiosamente, Austin Smith, autor do artigo “Potência desencadeada”, de 30 de janeiro deste ano, foi também um dos cientistas que assinaram essa carta que demonstrou uma forma realmente desastrosa de lidar com a opinião pública (“Células-tronco embriônicas humanas“, ScienceExpress, 13/12/2005).

PS — Leia também neste blog o post “Co-autor de pesquisa sob suspeita de fraude diz não saber que células usou” (10.3.2014)